Contratada no governo FHC, Booz-Allen já operava como gabinete paralelo da comunidade da informação dos EUA
No portfólio da Booz-Allen, estão algumas das áreas em que a empresa atuou e que, a partir de agora, dadas as acusações de espionagem, estão sob suspeita. As "reformas governamentais" dos anos 1990 aparecem em destaque. A empresa orientou a reforma do sistema eleitoral do México e a privatização de empresas em diferentes países, incluindo os setores de bancos, energia, siderurgia e telecomunicações no Brasil.
Da Redação
A porta giratória entre as grandes corporações e o governo norte-americano reflete a eficiente sinergia entre o Estado e o mercado, no capitalismo mais poderoso do planeta.
Cargos estratégicos na administração pública são regularmente ocupados por altos executivos e presidentes de gigantescos complexos industriais ou instituições financeiras dos EUA.
Atividades teoricamente específicas da esfera estatal são terceirizadas com absoluta desenvoltura para engordar negócios privados. Desde a guerra, até operações de segurança e espionagem transformam-se em canais de sucção de fundos públicos para a contabilidade privada.
É nessa dissipação de fronteiras e de recursos que se viabiliza a balela do Estado mínimo, maximizado em lucros privados.
Nesse intercurso de dinheiro, poder e influencia emerge o nome da Booz-Allen, velha parceira do Departamento de Estado na área de espionagem e consultoria.
Desde os anos 40, no entorno da Segunda Guerra, o grupo trabalha em estreita colaboração com o complexo militar norte-americano.
A ponto de ser reconhecida como uma espécie de gabinete paralelo da comunidade de inteligência dos EUA.
A condição de braço do Estado e dos interesses norte-americanos, portanto, é um traço constitutivo na história da Booz-Allen, do qual o governo Fernando Henrique não poderia alegar desconhecimento, quando enganchou estrategicamente o interesse público brasileiro à empresa.
A Booz-Allen nasceu em 1914, em Chicago, tornando-se rapidamente uma das gigantes do setor de consultoria.
Como muitas das grandes corporações dos EUA, engatou seus lucros ao suculento orçamento do Estado, a partir da Guerra.
O livro "Spies for Hire: The Secret World of Intelligence Outsourcing" ("Espiões de aluguel: o mundo secreto da terceirização do serviço de inteligência", New York: Simon and Schuster, 2009), de Tim Shorrock, Dick Hill, dedica um capítulo inteiro à Booz-Allen. Dá detalhes de como a empresa engendrou seu trabalho de consultoria nas teias da comunidade de informação dos EUA.
O livro relata que, em 1998, uma funcionária de carreira do serviço secreto, ao assumir uma diretoria da CIA, já considerava a Booz-Allen uma verdadeira extensão da comunidade de inteligência norte-americana.
Segundo Dempsey, em uma declaração pública registrada e divulgada por revistas especializadas em assuntos de defesa, era mais fácil encontrar ex-secretários e diretores do sistema nacional de inteligência americana na Booz-Allen do que em reuniões do governo.
Em 2005, comprovando o fundamento de suas afirmações, ela se tornaria vice-presidente da Booz-Allen, que já contabilizava 18.000 profissionais (é assim que a turma supostamente defensora do Estado mínimo esconde o real tamanho de seu Estado gigante) e US$3,7 bilhões anuais de faturamento. Em 2012 esse faturamento havia saltado para US$ 5,76 bilhões (mais de R$ 12 bilhões). O número de funcionários passava de 25 mil pessoas (agentes?) espalhados pelos quatro cantos do planeta.
Metade-metade
Ainda segundo o livro de Shorrock e Hill, pelo menos 50% dos negócios da Booz-Allen são financiados pelo governo dos EUA.
Os outros 50% são contratos de consultoria com grandes empresas do setor privado, nas áreas de energia ao setor químico, passando por bens de consumo.
Uma de suas especialidades é auxiliar a influenciar governos e órgãos públicos de outros países a seguir políticas que representem oportunidades de negócio para grandes corporações e fundos de investimento norte-americanos.
Um dos eixos mais lucrativos, como ela própria explicita em seus relatórios, tem sido o dos programas de privatizações.
Foi esse o principal alicerce de penetração da versátil corporação no Brasil durante o governo FHC.
As relações entre a Booz-Allen e o Departamento de Defesa, que já eram estreitas de longa data, tornaram-se ainda mais explícitas e se aprofundaram na presidência de George W. Bush.
A partir de então, a empresa se envolveu nas atividades mais sensíveis da inteligência dos EUA e do Pentágono.
Mais que isso, encabeçou os projetos mais importantes do Departamento de Defesa após os ataques de 11 de setembro.
Esse foi o gatilho para a montagem do megaesquema de espionagem denunciado por Edward Snowden.
Bush e seu vice-presidente, o todo-poderoso Dick Cheney, passaram um recado claro ao Departamento de Defesa: as corporações privadas, coordenadas pelas consultorias da Booz-Allen, estavam avalizadas na condição de gerentes do sistema de inteligência norte-americana.
Os profissionais da Booz-Allen, notoriamente conhecidos como mais do que simples consultores, foram chancelados internamente como atores-chave do alto escalão da comunidade de inteligência.
O que já era um gabinete paralelo tornou-se unha e carne da comunidade de informação.
Nosso homem na Casa Branca
Figura central desse relacionamento íntimo foi Mike McConnell. Depois de se aposentar na Marinha dos Estados Unidos, McConnell tornou-se vice-diretor da Booz-Allen na área que a empresa chama de "cyber business":http://www.boozallen.com/about/leadership/executive-leadership/McConnell
Em 2007, tornou-se nada mais, nada menos do que o vice-diretor do Departamento Nacional de Inteligência (DNI), administrando um time de 100 mil profissionais (agentes secretos, arapongas, informantes, analistas de informação) e 47 bilhões de dólares (pelo menos a parte contabilizada).
Na apresentação de seu currículo, a Booz-Allen se vangloriava de tê-lo como um líder no governo, responsável pela interlocução do gabinete presidencial na Casa Branca com o Congresso, líderes internacionais e a "comunidade de negócios" dos EUA. Em 2009, na presidência Obama, ele retornou à Booz-Allen.
Unindo o útil ao agradável
No portfólio da Booz-Allen, estão algumas das áreas em que a empresa atuou e que, a partir de agora, dadas as acusações de espionagem ampla, geral e irrestrita, estão sob suspeita. Veja:
http://www.booz.com/br/home/who-we-are/42544269
As "reformas governamentais" dos anos 1990 aparecem em destaque.
A empresa ainda orientou a reforma do sistema eleitoral do México e a privatização de empresas em diferentes áreas de atuação e países: bancos, no Brasil e no México; energia (além do Brasil, Argentina, Peru e Bolívia), ferrovias (na Argentina), petroquímica (Brasil), portos (México e Venezuela), siderurgia (Argentina e Brasil) e telecomunicações (Brasil, México e Uruguai).
Esses setores, como a maioria se lembra, não foram considerados mais como polos estratégicos para o desenvolvimento e o Estado nacional – termo em desuso no ciclo tucano, tratado com derrisão pelos seus teóricos e operadores.
Algo semelhante ocorreria nas demais presidências neoliberais que infestaram os governos latino-americanos.
Estratégicos, porém, eles se tornariam para os interesses norte-americanos, conforme as recomendações de seu braço de informação e dublê de consultoria.
Para os EUA, foi uma ação orquestrada de inteligência. Para a América Latina, foi um exemplo da imensa estupidez da sapiência neoliberal que deixou cicatrizes profundas e, como se vê agora, abriu flancos estratégicos no aparato público das nações.
Cargos estratégicos na administração pública são regularmente ocupados por altos executivos e presidentes de gigantescos complexos industriais ou instituições financeiras dos EUA.
Atividades teoricamente específicas da esfera estatal são terceirizadas com absoluta desenvoltura para engordar negócios privados. Desde a guerra, até operações de segurança e espionagem transformam-se em canais de sucção de fundos públicos para a contabilidade privada.
É nessa dissipação de fronteiras e de recursos que se viabiliza a balela do Estado mínimo, maximizado em lucros privados.
Nesse intercurso de dinheiro, poder e influencia emerge o nome da Booz-Allen, velha parceira do Departamento de Estado na área de espionagem e consultoria.
Desde os anos 40, no entorno da Segunda Guerra, o grupo trabalha em estreita colaboração com o complexo militar norte-americano.
A ponto de ser reconhecida como uma espécie de gabinete paralelo da comunidade de inteligência dos EUA.
A condição de braço do Estado e dos interesses norte-americanos, portanto, é um traço constitutivo na história da Booz-Allen, do qual o governo Fernando Henrique não poderia alegar desconhecimento, quando enganchou estrategicamente o interesse público brasileiro à empresa.
A Booz-Allen nasceu em 1914, em Chicago, tornando-se rapidamente uma das gigantes do setor de consultoria.
Como muitas das grandes corporações dos EUA, engatou seus lucros ao suculento orçamento do Estado, a partir da Guerra.
O livro "Spies for Hire: The Secret World of Intelligence Outsourcing" ("Espiões de aluguel: o mundo secreto da terceirização do serviço de inteligência", New York: Simon and Schuster, 2009), de Tim Shorrock, Dick Hill, dedica um capítulo inteiro à Booz-Allen. Dá detalhes de como a empresa engendrou seu trabalho de consultoria nas teias da comunidade de informação dos EUA.
O livro relata que, em 1998, uma funcionária de carreira do serviço secreto, ao assumir uma diretoria da CIA, já considerava a Booz-Allen uma verdadeira extensão da comunidade de inteligência norte-americana.
Segundo Dempsey, em uma declaração pública registrada e divulgada por revistas especializadas em assuntos de defesa, era mais fácil encontrar ex-secretários e diretores do sistema nacional de inteligência americana na Booz-Allen do que em reuniões do governo.
Em 2005, comprovando o fundamento de suas afirmações, ela se tornaria vice-presidente da Booz-Allen, que já contabilizava 18.000 profissionais (é assim que a turma supostamente defensora do Estado mínimo esconde o real tamanho de seu Estado gigante) e US$3,7 bilhões anuais de faturamento. Em 2012 esse faturamento havia saltado para US$ 5,76 bilhões (mais de R$ 12 bilhões). O número de funcionários passava de 25 mil pessoas (agentes?) espalhados pelos quatro cantos do planeta.
Metade-metade
Ainda segundo o livro de Shorrock e Hill, pelo menos 50% dos negócios da Booz-Allen são financiados pelo governo dos EUA.
Os outros 50% são contratos de consultoria com grandes empresas do setor privado, nas áreas de energia ao setor químico, passando por bens de consumo.
Uma de suas especialidades é auxiliar a influenciar governos e órgãos públicos de outros países a seguir políticas que representem oportunidades de negócio para grandes corporações e fundos de investimento norte-americanos.
Um dos eixos mais lucrativos, como ela própria explicita em seus relatórios, tem sido o dos programas de privatizações.
Foi esse o principal alicerce de penetração da versátil corporação no Brasil durante o governo FHC.
As relações entre a Booz-Allen e o Departamento de Defesa, que já eram estreitas de longa data, tornaram-se ainda mais explícitas e se aprofundaram na presidência de George W. Bush.
A partir de então, a empresa se envolveu nas atividades mais sensíveis da inteligência dos EUA e do Pentágono.
Mais que isso, encabeçou os projetos mais importantes do Departamento de Defesa após os ataques de 11 de setembro.
Esse foi o gatilho para a montagem do megaesquema de espionagem denunciado por Edward Snowden.
Bush e seu vice-presidente, o todo-poderoso Dick Cheney, passaram um recado claro ao Departamento de Defesa: as corporações privadas, coordenadas pelas consultorias da Booz-Allen, estavam avalizadas na condição de gerentes do sistema de inteligência norte-americana.
Os profissionais da Booz-Allen, notoriamente conhecidos como mais do que simples consultores, foram chancelados internamente como atores-chave do alto escalão da comunidade de inteligência.
O que já era um gabinete paralelo tornou-se unha e carne da comunidade de informação.
Nosso homem na Casa Branca
Figura central desse relacionamento íntimo foi Mike McConnell. Depois de se aposentar na Marinha dos Estados Unidos, McConnell tornou-se vice-diretor da Booz-Allen na área que a empresa chama de "cyber business":http://www.boozallen.com/about/leadership/executive-leadership/McConnell
Em 2007, tornou-se nada mais, nada menos do que o vice-diretor do Departamento Nacional de Inteligência (DNI), administrando um time de 100 mil profissionais (agentes secretos, arapongas, informantes, analistas de informação) e 47 bilhões de dólares (pelo menos a parte contabilizada).
Na apresentação de seu currículo, a Booz-Allen se vangloriava de tê-lo como um líder no governo, responsável pela interlocução do gabinete presidencial na Casa Branca com o Congresso, líderes internacionais e a "comunidade de negócios" dos EUA. Em 2009, na presidência Obama, ele retornou à Booz-Allen.
Unindo o útil ao agradável
No portfólio da Booz-Allen, estão algumas das áreas em que a empresa atuou e que, a partir de agora, dadas as acusações de espionagem ampla, geral e irrestrita, estão sob suspeita. Veja:
http://www.booz.com/br/home/who-we-are/42544269
As "reformas governamentais" dos anos 1990 aparecem em destaque.
A empresa ainda orientou a reforma do sistema eleitoral do México e a privatização de empresas em diferentes áreas de atuação e países: bancos, no Brasil e no México; energia (além do Brasil, Argentina, Peru e Bolívia), ferrovias (na Argentina), petroquímica (Brasil), portos (México e Venezuela), siderurgia (Argentina e Brasil) e telecomunicações (Brasil, México e Uruguai).
Esses setores, como a maioria se lembra, não foram considerados mais como polos estratégicos para o desenvolvimento e o Estado nacional – termo em desuso no ciclo tucano, tratado com derrisão pelos seus teóricos e operadores.
Algo semelhante ocorreria nas demais presidências neoliberais que infestaram os governos latino-americanos.
Estratégicos, porém, eles se tornariam para os interesses norte-americanos, conforme as recomendações de seu braço de informação e dublê de consultoria.
Para os EUA, foi uma ação orquestrada de inteligência. Para a América Latina, foi um exemplo da imensa estupidez da sapiência neoliberal que deixou cicatrizes profundas e, como se vê agora, abriu flancos estratégicos no aparato público das nações.
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