– 23 DE JULHO DE 2013
Novo estudo da ONU aponta vantagens contemporâneas da pequena propriedade — tanto na produção de alimentos quanto na regulação dos climas e garantia da biodiversidade
Por Ignacy Sachs, na Página22
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Nota de Outras Palavras: a ilustração associada originalmente a este texto foi suprimida por ser alteração não-desejada de obra do artista plástico Henry Vitor — a quem pedimos desculpas. Para conhecer o acervo do pintor, vale acessarwww.henryvitor.com.br.
Nota de Outras Palavras: a ilustração associada originalmente a este texto foi suprimida por ser alteração não-desejada de obra do artista plástico Henry Vitor — a quem pedimos desculpas. Para conhecer o acervo do pintor, vale acessarwww.henryvitor.com.br.
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O Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (Ifad, na sigla em inglês) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) juntaram esforços para produzir um relatório da maior importância sobre os pequenos produtores rurais, a segurança alimentar e o meio ambiente. Intitula-se Smallholders, Food Security and the Environment. Lembremos que, no mundo de hoje, cerca de 2,5 bilhões de pessoas estão envolvidas em tempo integral ou parcial na agricultura, administrando 500 milhões de pequenas propriedades rurais – das quais 80% estão na mão de pequenos agricultores, e respondem por mais de quatro quintos de alimentos consumidos nos países em desenvolvimento.
Daí a importância de assegurar o bom funcionamento dos ecossistemas do qual depende a produtividade desta agricultura de pequeno porte. Tanto mais que, nos próximos decênios, a demanda das populações urbanas por alimentos continuará a crescer, colocando, ainda mais que no passado, os pequenos agricultores na linha de frente das transformações da agricultura mundial.
Em que pesem os progressos da Revolução Verde e da expansão da área cultivada, o acesso adequado aos alimentos não é facultado, hoje em dia, a todos: 1,4 bilhão de pobres sobrevivem (mal) com uma renda inferior a US$ 1,25 por dia, incluindo 1 bilhão que mora nas zonas rurais, esforçando-se por tirar um parco sustento do cultivo da terra.
O escândalo é tanto maior que a cultura do desperdício, difundida no mundo, é responsável pela perda de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano, como lembrou recentemente, em audiência com o papa, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano da Silva.
No entanto, o relatório do Ifad, citado acima, transmite uma mensagem fundamentalmente otimista: “Com a sua imensa experiência coletiva e o conhecimento íntimo das condições locais, os pequenos produtores detêm muitas das soluções práticas que podem ajudar a colocar a agricultura num patamar mais sustentável e equitativo”.
Compartilho desse otimismo. Contudo, para avançar nesta direção, faz-se necessário superar as falhas do mercado e os outros desincentivos para o uso sustentável dos solos. Por quanto tempo continuaremos a postergar o debate sobre as indispensáveis reformas agrárias, não só no que diz respeito ao Brasil?
Por outro lado, não temos o direito de subestimar os estragos trazidos por uma agricultura pouco atenta às questões ambientais, e que privilegia os resultados imediatos sem pensar em incidências ambientais a longo prazo das tecnologias aplicadas.
Tampouco podemos nos omitir na questão difícil de como incentivar os pequenos agricultores a investir simultaneamente nos aumentos da produção imediata e na sustentabilidade a longo prazo, sabendo que esta última requer conservação de solos e de água, moderação no uso de adubos e o esverdeamento das cadeias de abastecimento.
A FAO tem razão em insistir sobre a necessidade de modernizar os serviços de extensão rural, lançando mão, por exemplo, de cursos práticos de agronomia e servindo-se de rádios locais para difundir os conhecimentos indispensáveis aos pequenos produtores. O desafio maior consiste, no entanto, na gestão coordenada das paisagens, de modo a proporcionar às populações rurais estilos de vida sustentáveis, bem adaptados às condições locais.
As paisagens agrícolas não se limitam a produzir alimentos. Elas desempenham ao mesmo tempo vários serviços, tais como a regulação de climas e a conservação da biodiversidade. Daí a importância do conceito da “agricultura plurifuncional” e da quantificação dos benefícios dela oriundos, por um lado, para os pequenos produtores e, por outro, para as economias nacionais.
Para avançar nessa direção, podemos nos valer da metodologia proposta no estudo sobre a economia dos ecossistemas e a biodiversidade, conhecido pelo acrônimo Teeb (The Economics of Ecosystems and Biodiversity), atualmente sob a responsabilidade do Pnuma, com a colaboração da Comissão Europeia, das Nações Unidas, da Alemanha e da Grã-Bretanha. (mais em Artigo).
A mensagem central do relatório que serve de base a este artigo é a de que os pequenos agricultores vivendo nos diferentes ecossistemas detêm uma das chaves da transformação futura do mundo. Para que sejam bem-sucedidos nesta tarefa e possam aproveitar os conhecimentos práticos por eles acumulados ao longo dos séculos, faz-se necessário superar os obstáculos institucionais representados por estruturas fundiárias obsoletas, dominadas pela grande propriedade.
E, claro, não podemos nos omitir a recolocar mais uma vez no centro do debate, como já foi dito, a questão da reforma agrária. À FAO e às comissões regionais das Nações Unidas cabem uma responsabilidade e um belo desafio a este respeito: um estudo comparativo e crítico das reformas realizadas no passado, seus avanços e retrocessos.
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Ignacy Sachs é ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris
Ignacy Sachs é ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris
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