O Banco Central voltou a elevar a taxa Selic, a taxa básica de juros, dando sequência a um processo iniciado em abril desse ano. Na ocasião, a Selic estava em 7,25% ao ano e foi elevada para 7,5%. Agora, esta taxa chega a 10%, após seis consecutivas elevações.
Paulo Passarinho
Mas, as contradições não se limitam a esse ponto. O processo de elevação da taxa Selic foi iniciado sob o pretexto de se combater a inflação. Contudo, esse tipo de “solução” para o problema inflacionário está vinculado, tecnicamente, a problemas decorrentes da existência de uma suposta pressão de demanda.
Mas, a grande ou maior contradição dessa reiterada política de juros altos – que, junto com a valorização do real frente ao dólar, é característica do modelo econômico em curso no Brasil, desde o Plano Real – é a nossa situação fiscal.
Estamos assistindo a uma enfadonha polêmica envolvendo o governo, a oposição de direita e a mídia dominante sobre uma suposta leniência com as chamadas metas de superávit fiscal. O vilão seria o governo. A oposição de direita, em coro com os analistas econômicos da mídia e dos bancos, acusa o governo de perdulário, de deixar as despesas correntes do governo se elevarem, de não enfrentar – mais uma! – a reforma do sistema previdenciário, além de outras baboseiras.
O raciocínio circular, que procura dar racionalidade a essa crítica de natureza fiscal, e falsa, alega que na medida em que o governo mostra fraqueza em cortar despesas – especialmente, despesas correntes – e, ao invés de ampliar o superávit primário, diminuí-lo, os credores do governo veem com cada vez maior desconfiança a elevação da dívida bruta do Tesouro e passam, por isso, a cobrar taxas de juros cada vez mais elevadas, para o refinanciamento desta própria dívida.
O sofisma desta argumentação é que o fator mais dinâmico do endividamento público é justamente a despesa corrente com o pagamento de juros! A contenção de todas as demais despesas correntes e de investimentos é realizada justamente para – teoricamente – se pagar cada vez mais parcelas da dívida em curso, “sem se gastar mais do que se arrecada”, e assim, diminuir o endividamento do Estado. E é isso que, intensivamente, estamos fazendo desde o acordo com o FMI, em vigor a partir de 1999. Há 14 anos, portanto.
Entretanto, desde então, a dívida jamais deixou de crescer de forma espetacular. Em valores nominais e levando-se em conta o volume de títulos públicos nas mãos do Banco Central – para as operações de curto-prazo – e dos credores da dívida pública, o valor desta dívida saltou de R$ 344 bilhões para mais de R$ 2,8 trilhões, de acordo com os dados disponíveis até o mês de setembro desse ano; em percentuais do PIB, a evolução do endividamento foi de 35% para 64%. São dados, portanto, que evidenciam que o motor do endividamento não está relacionado ao fato de o governo gastar mais do que arrecada, com as suas despesas com a manutenção da máquina pública, remuneração dos seus servidores, investimentos ou pagamento de obrigações constitucionais, como é o caso das aposentadorias e pensões do INSS.
Curiosamente, a despesa corrente que desequilibra as despesas públicas é o pagamento dos juros, jamais questionado pelos economistas e analistas vinculados à defesa do modelo macroeconômico defendido pelo sistema financeiro. É como se este tipo de despesa fosse “natural”, impossível de ser questionada. E o motor dessa despesa é a taxa de administração da dívida pública, sempre igual ou superior à própria taxa Selic. Desse modo, por mais que “economizemos” recursos para a formação do superávit primário, vamos continuar a observar a elevação do endividamento público, com todas as manipulações interpretativas que temos visto ao longo de todos esses anos. Além, é importante frisar, das inúmeras ilegalidades cometidas pelo Banco Central, conforme demonstrado no relatório alternativo da CPI da Dívida Pública, elaborado pelo deputado Ivan Valente, do PSOL-SP, e presidente desta importante iniciativa parlamentar, concluída em 2010.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
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