Postado em 06 jan 2015
A retirada do busto de Victor Civita do saguão da sede da editora Abril neste começo de janeiro é um capítulo dramático do declínio acelerado daquela que foi uma das maiores empresas de jornalismo.
A Abril está morrendo.
Victor Civita foi abatido porque a Abril já não tinha mais como bancar o aluguel do megalomaníaco prédio da Marginal de Pinheiros.
Ao devolver uma das duas torres, perdeu o direito de exibir o fundador da empresa. Para os futuros inquilinos, o busto de VC, como era chamado, não faria sentido nenhum.
A morte de uma empresa de jornalismo é um processo lento. Não é fácil identificar o momento em que as coisas começam a dar errado.
Depois tudo se aclara, e o fim é evidente. As últimas etapas são agônicas, e é isto o que a Abril está vivendo.
A torre remanescente dificilmente sobreviverá por muito tempo, bem como uma série de revistas e, lamentavelmente, centenas de empregos.
Como todas as empresas que gozam de reserva de mercado e são objeto de mamatas do Estado – anúncios copiosos, financiamentos a juros maternais em bancos públicos – a Abril nunca foi exatamente um modelo de administração.
É o preço que se paga por privilégios. Você não tem que ser o melhor da classe para receber prêmios.
Isto vale para a Abril e todas as grandes empresas jornalísticas brasileiras, a começar pela Globo.
Nunca foram expostas à competição estrangeira e sempre foram mimadas por sucessivos governos: não há receita mais eficaz para a ineficiência gerencial.
Dito isso, a agonia da Abril se deve muito mais a uma mudança de mercado do que a uma gestão trôpega em vários momentos.
Produzir revistas nestes tempos é como fabricar carruagens no final do século 19, quando os carros começavam a ganhar as ruas.
Nem o mais fabuloso fabricante de carruagens sobreviveu com o correr dos dias.
A Abril antecipa o que deve acontecer, no futuro, com outra potência da mídia brasileira: a Globo.
Anos atrás, ninguém imaginava um mundo sem revistas. Mas hoje é fácil imaginar.
Até há pouco também, igualmente, ninguém imaginava um mundo sem tevê como a conhecemos. Mas hoje já não é tão difícil imaginar.
Uma pesquisa recente americana traduziu isso em números. A pergunta que foi feita era a seguinte: você acha que seria duro viver sem o quê?
As alternativas eram internet, celular e televisão. A televisão ficou em último lugar. Alguns anos atrás, na mesma pesquisa, ficara em primeiro: a maior parte dos entrevistados não considerava a hipótese de ficar sem tevê.
Tanto a Abril como a Globo se empenham em ter relevância na internet. Mas jamais se replicará, no universo digital, a relevância que elas tiveram em mídias que vão se tornando obsoletas.
Aproxima-se velozmente do fim o tempo em que a Globo consegue cobrar uma fortuna por comerciais de uma programação em constante declínio.
E está muito distante a era em que a publicidade na internet terá preços remotamente praticados pela Globo na tevê.
Entre uma coisa e outra, a Globo entrará no que se poderia definir como “Vale do Desespero”, para usar uma expressão em voga entre os economistas.
Na destruição de um velho mundo na imprensa e na construção de um novo, a remoção do busto de Victor Civita é um marco histórico.
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