Prefeitura de São José dos Campos e o (novo) modo petista de governar
Carlinhos Almeida (PT) é prefeito de São José dos Campos, cidade com maioria de classe média e alta, e histórico conservador: dezesseis anos de gestão tucana e expressa prioridade às relações de mercado. E ainda na sua lista hpa o triste caso de Pinheirinho. Será o progressismo capaz de não ser marginalizado por suas concessões ao livre e soberano mercado? Por Caio Sarack
Caio Sarack
Herança lulista para alguns, resultado do presidencialismo de coalizão para outros. A mudança no paradigma político federal espalhou rama pelos governos municipais e estaduais, a fortíssima influência do governo federal dos últimos anos faz aparecer um novo modo petista de governar.
A gestão pública característica do PT dos idos 80 e 90 teve espaço nas jornadas de junho passado. Explica-se: Lúcio Gregori, engenheiro e secretário de Transportes da gestão Erundina, é o grande propositor do Passe Livre e fez coro com as manifestações; Erundina foi quem sugeriu e argumentou para que o transporte público fosse então um direito constitucional. A força do argumento nos exemplos citados se dá porque tais foram recolhidos do próprio conjunto petista (no caso, anos 80 e 90), e hoje esses mesmos projetos sofrem resistência (seja essa resistência da natureza que for: política, financiadores de campanha, mercado).
Segundo site da Escola Nacional de Formação do PT, "a construção do projeto democrático e popular para o Brasil marcou a trajetória do Partido dos Trabalhadores, foi o fundamento dos programas nacionais de Lula à presidência desde 1989 por meio dos quais discutimos com o país o seu destino. O programa democrático e popular do PT foi se construindo a partir do debate teórico, nas lutas populares e na ação institucional em três direções: social, nacional e democrática. O programa democrático e popular se construiu também a partir das experiências do PT nos Executivos e Legislativos (parlamentos) dos vários níveis de governos (municipal, estadual e federal) e têm configurado o modo petista de governar". Há uma aparente mudança de métodos ditos democráticos e populares.
Para entender como essa consolidação de políticas públicas se dá, a Carta Maior começa numa pesquisa sobre os paradigmas do governo de coalizão que ao mesmo tempo avança em programas de segurança social, mas acirra problemas de mercado quando tenta reconciliar classes explicitamente antagônicas. O modo petista de governar não está imune às forças do capitalismo financeiro e seu progressismo muitas vezes é marginalizado por suas concessões ao livre e soberano mercado. Em que ponto a tradição se comporta só como passado?
Para início de conversa, a Carta Maior entrevistou o prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida. A cidade com maioria de classe média e alta (classes A e B somam pouco mais da metade da cidade) tem histórico conservador: dezesseis anos de gestão tucana e expressa prioridade às relações de mercado. E ainda na sua lista o triste caso (e resultado) de Pinheirinho. Um cenário um tanto similar ao da capital paulista: cidades com conservadorismo aflorado que agora recebem partidos de tradição de esquerda.
Carta Maior (CM): Qual o maior desafio que você encontrou na máquina política de São José dos Campos depois de 16 anos de PSDB?
Carlinhos Almeida (CA): Diria que são dois desafios fundamentais. O primeiro é que nós recebemos a prefeitura com despesas contratadas, serviços de obras que não tinham previsão no orçamento da cidade, então na verdade nós recebemos a prefeitura faltando em torno de 100 milhões de reais para cobrir as despesas já contratadas pela gestão passada. Esse é o desafio de ordem administrativa. De ordem política, nós percebemos que a prioridade em São José durante o período do PSDB não esteve voltada para a população que mais precisa, especialmente a população dos chamados “loteamentos irregulares”. Cerca de 150 mil pessoas moram em bairros sem infraestrutura e bairros nos quais a relação da prefeitura com a população era nada democrática. Então os desafios são esses, é preciso superar esses problemas administrativos e colocar em prática um programa priorizando aqueles que mais precisam.
CM: Quais as principais particularidades que a cidade de São José demonstrou em melhorias de gestão?
CA: São José é uma cidade que tem a maioria da população morando em áreas bem estruturadas (estrutura viária e social). Isso evidentemente faz com que a cidade tenha um nível de exigência alto em relação a serviços públicos, a cobrança é muito grande, o que é natural para uma cidade com essas características. Por outro lado, a cidade sempre teve um bom nível de investimento público graças a uma boa arrecadação, principalmente de ICMS, e essa arrecadação foi alavancada bastante nos últimos anos com o crescimento econômico que o país teve durante os governos do Lula e da Dilma. Mas a cidade está num momento em que a gente tem tido pouco investimento industrial e tem perdido alguns investimentos, principalmente do setor de eletroeletrônico, a própria GM, que vem reduzindo sua produção. Tudo isso produziu um impacto grande na receita do município, o que compromete a capacidade de investimento que a cidade sempre teve, especialmente nesses últimos anos.
CM: Durante as manifestações de junho, pilares da política tradicional como instituições públicas e partidos, foram severamente criticadas. Qual o papel do Executivo local neste momento? E que canais podem ser abertos para dar conta das demandas populares?
CA: Numa democracia sempre será necessário conviver manifestações e movimentos sociais, que muitas vezes são reivindicativos em pontos específicos ou levantam bandeiras políticas mais gerais.
Os movimentos de junho tiveram um caráter muito nacional e acabaram reunindo uma série de bandeiras, às vezes até contraditórias. Aqui, por exemplo, na maior passeata que tivemos havia pessoas de um lado defendendo o transporte público, do outro sendo contra a criação de corredores de ônibus. Então, houve uma multiplicidade de reivindicações, que eu acredito, conseguiram um grau de aglutinação naquele momento por conta de uma exigência da sociedade brasileira em relação aos serviços públicos.
No governo Lula e no governo Dilma, a população melhorou muito sua condição de vida e evidentemente foi para outro patamar social, e ao atingir essa patamar ela não está satisfeita, quer continuar suas conquistas. Por outro lado, houve num setor da classe média certos descontentamentos: esse setor da sociedade enfrentou uma inflação nos serviços e por outro lado não teve um ganho de renda como teve a população mais pobre. Acho que isso serviu para aglutinar esse movimento.
Todo movimento social é legítimo, mas nem sempre o movimento social acerta. Nesse caso, o que percebemos, e eu recebi os líderes do movimento, é que havia vários grupos com visões e bandeiras diferenciadas. De qualquer forma, seja qual for o movimento temos que ter a disposição de dialogar e sempre defender a democracia. Aqui no nosso caso, fizemos dois encontros com eles, sempre defendemos os direitos de manifestação, mas também condenamos os atos de violência e vandalismo que ocorreram em grau bem menor do que outras áreas.
CM: Ainda sobre as manifestações, o MPL ficou conhecido por ter propostas que faziam referências a demandas colocadas pelo PT nos anos 1980 e 90. Hoje vemos o PT se distanciado de certas políticas que eram tão características daquele modo petista de governar. Como o senhor vê esse descompasso? Ele de fato existe? É uma atualização do projeto? As demandas é que mudaram?
CA: Você, quando está no governo, tem que compatibilizar seus sonhos, sua visão ideal de gestão com a realidade. Principalmente a orçamentária, que exige uma definição de prioridades. Uma prefeitura como a de São José aplica em torno de 30% em saúde, mais de 25% em educação. Você tem aqui uma boa rede de equipamentos esportivos pela cidade, que devem ser mantidas e isso evidentemente tem um custo. Pra você, por exemplo, reduzir a tarifa em São José, você teria que praticar subsídios para o setor. Para isso, é preciso tirar dinheiro do orçamento. E de onde você vai tirar? Um órgão de imprensa local fez uma pesquisa no ano passado em que perguntou para a população: o que significava um transporte de qualidade? A rapidez no transporte foi apontado por mais de 35% como principal necessidade. A questão tarifária só apareceu para cerca de 10% dos passageiros, portanto, nossa posição aqui, coerente com nosso projeto, foi priorizar no transporte coletivo. O bilhete único, implantado agora em julho, vai beneficiar aquele que mais precisa, que mora nos bairros mais distantes. E além de priorizar a integração, implantamos os corredores exclusivos de ônibus, que é uma escolha efetiva a favor do transporte público, e é uma medida que tem resistência nos setores mais conservadores, que não possuem uma visão de que a cidade tem que se organizar para priorizar o transporte público. Nós fizemos uma renovação da frota, trocamos mais de 90 ônibus, voltamos com os ônibus articulados, que era uma reivindicação antiga.
Portanto, o que nós priorizamos aqui foi a qualidade do serviço, a rapidez maior no atendimento à população. Porque essa é a grande reivindicação. Implantar subsídios para o transporte em São José significaria necessariamente ter que tirar dinheiro da saúde - da educação não pode tirar porque tem o investimento de 15% é constitucional, nas outras áreas já não há um orçamento tão grande.
Nós achamos, então, que seria razoável não retirar dinheiro da saúde para criar um subsídio que não existe em São José e que não é a principal demanda dos usuários. Em relação à tarifa, nós tomamos uma decisão política a partir das manifestações, das decisões de várias prefeituras e reduzimos a tarifa pra algo que não cobre os custos dos serviços. Por isso, inclusive, nós vamos propor a redução do ISS e já fizemos a proposta de adoção de publicidade nos ônibus visando gerar uma receita adicional e não deixar comprometer os investimentos.
Aliás, sentimos também, e isso me preocupa bastante, não só aqui, mas em todo o país, que esse movimento geral de redução tarifária gerou uma instabilidade muito grande no setor de transportes do país, o que na minha avaliação já comprometeu e pode comprometer ainda mais o investimento no setor, havendo um sério risco de deterioração na qualidade do transporte. Sorocaba, por exemplo, também fez uma redução tarifária; os ônibus antigos de São José foram pra lá. Portanto, tem que ter muito cuidado em relação à tarifa.
CM: O transporte público faz a ligação entre as áreas fundamentais. O paciente vai até o hospital, o estudante até o colégio. Como se faz essa avaliação quanto aos núcleos das empresas privadas? Quanto do subsídio seria só o lucro do empresário que investe?
CA: A realidade de São José é bem diferente das outras cidades, principalmente São Paulo. Aqui as empresas foram contratadas segundo um processo de licitação. Há um contrato em vigor e esse contrato tem um cálculo. Se você andar pela cidade, irá constatar que a frota é 100% adaptada para cadeirantes. Além dos salários de motoristas e cobradores serem dos mais altos do país, há a gratuidade para o idoso a partir dos 60 anos de idade (na maioria das cidades é 65). Eu acredito que todos os setores da economia têm que sofrer uma fiscalização, principalmente os setores que prestam serviços essenciais para a população. No nosso caso, ele foi contratado na gestão anterior e o contrato estabelece o seguinte: a tarifa tem que cobrir os custos do sistema e é previsto uma taxa de retorno para o investidor. Pelas nossas contas e a das empresas, a tarifa de São José hoje está defasada (R$ 3,00), não cobre o custo da operação do sistema. É preciso tomar muito cuidado na área de transporte, não fazer demagogia, pois depois a área pode ser comprometida. Nossa maior preocupação aqui é que as empresas podem simplesmente começar a não atender em horários e linhas deficitárias. Nós podemos fiscalizar, mas muitas vezes fica mais barato pra empresa pagar a multa do que cumprir certos horários.
CM: O orçamento da cidade é muito comprometido pela dívida pública?
CA: Não, não pela dívida pública. Na verdade, ele é comprometido por um custeio muito alto. A prefeitura de São José dos Campos teve ao longo do tempo uma capacidade de investimento maior do que a média brasileira, e obviamente que esses investimentos trouxeram bens e serviços, que geram custeio depois. Esse é o maior comprometimento da receita do município.
CM: Como está a situação das pessoas do Pinheirinho, a relação delas com o poder público?
CA: O aluguel social continua sendo pago (R$ 500,00), o governo do estado paga a maior parte desse custo e o município complementa. A Secretaria de Habitação do Estado e a Caixa Federal vem fazendo reuniões periódicas conosco desde o início da nossa gestão em Janeiro, buscando construir uma alternativa.
Parte da questão poderia ser resolvida com um projeto construído aqui para a zona sul da cidade, mas que acabou se inviabilizando por excessivas exigências das lideranças do movimento. O projeto Minha Casa Minha Vida tem um valor definido pelo governo federal, o estado faz um complemento, mas em São José, onde o custo da terra é muito alto, o valor é insuficiente para viabilizar a construção da unidade habitacional. Agora, nós identificamos uma área na região sudeste, que achamos que pode ser um grande empreendimento de casas térreas, o que é uma preocupação que temos, pois como o preço do terreno aqui é muito alto, as construtoras do Minha Casa Minha Vida só querem construir apartamentos, mas a gente pensa que isso não é interessante para a população que vai ser atendida. A nossa meta é contratar no mínimo 8 mil unidades durante a nossa gestão. Nós precisamos atender essas famílias, isso virou uma prioridade nacional, com o próprio governo do estado tendo essa preocupação dado todo trauma que foi gerado. Já temos aproximadamente 18 mil famílias cadastradas no nosso programa habitacional, além das famílias que moram em áreas de risco, em torno de 2 mil, para quem pretendemos oferecer a alternativa do programa habitacional. Já estamos com 1.845 unidades em construção (1200 do CDHU, umas 600 do Minha Casa Minha Vida), além de 1.044 unidades já contratadas. E ainda tem 6 mil em fase de análise.
A gestão anterior não queria fazer o projeto Minha Casa Minha Vida alegando que você traria pobres para morar na cidade, e o fruto dessa política excludente deles foi o aumento dos deslocamentos irregulares. Essas famílias precisam morar em algum lugar e o que acaba sobrando pra elas são loteamentos irregulares ou áreas de risco.
Colaborou Rodrigo Giordano
A gestão pública característica do PT dos idos 80 e 90 teve espaço nas jornadas de junho passado. Explica-se: Lúcio Gregori, engenheiro e secretário de Transportes da gestão Erundina, é o grande propositor do Passe Livre e fez coro com as manifestações; Erundina foi quem sugeriu e argumentou para que o transporte público fosse então um direito constitucional. A força do argumento nos exemplos citados se dá porque tais foram recolhidos do próprio conjunto petista (no caso, anos 80 e 90), e hoje esses mesmos projetos sofrem resistência (seja essa resistência da natureza que for: política, financiadores de campanha, mercado).
Segundo site da Escola Nacional de Formação do PT, "a construção do projeto democrático e popular para o Brasil marcou a trajetória do Partido dos Trabalhadores, foi o fundamento dos programas nacionais de Lula à presidência desde 1989 por meio dos quais discutimos com o país o seu destino. O programa democrático e popular do PT foi se construindo a partir do debate teórico, nas lutas populares e na ação institucional em três direções: social, nacional e democrática. O programa democrático e popular se construiu também a partir das experiências do PT nos Executivos e Legislativos (parlamentos) dos vários níveis de governos (municipal, estadual e federal) e têm configurado o modo petista de governar". Há uma aparente mudança de métodos ditos democráticos e populares.
Para entender como essa consolidação de políticas públicas se dá, a Carta Maior começa numa pesquisa sobre os paradigmas do governo de coalizão que ao mesmo tempo avança em programas de segurança social, mas acirra problemas de mercado quando tenta reconciliar classes explicitamente antagônicas. O modo petista de governar não está imune às forças do capitalismo financeiro e seu progressismo muitas vezes é marginalizado por suas concessões ao livre e soberano mercado. Em que ponto a tradição se comporta só como passado?
Para início de conversa, a Carta Maior entrevistou o prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida. A cidade com maioria de classe média e alta (classes A e B somam pouco mais da metade da cidade) tem histórico conservador: dezesseis anos de gestão tucana e expressa prioridade às relações de mercado. E ainda na sua lista o triste caso (e resultado) de Pinheirinho. Um cenário um tanto similar ao da capital paulista: cidades com conservadorismo aflorado que agora recebem partidos de tradição de esquerda.
Carta Maior (CM): Qual o maior desafio que você encontrou na máquina política de São José dos Campos depois de 16 anos de PSDB?
Carlinhos Almeida (CA): Diria que são dois desafios fundamentais. O primeiro é que nós recebemos a prefeitura com despesas contratadas, serviços de obras que não tinham previsão no orçamento da cidade, então na verdade nós recebemos a prefeitura faltando em torno de 100 milhões de reais para cobrir as despesas já contratadas pela gestão passada. Esse é o desafio de ordem administrativa. De ordem política, nós percebemos que a prioridade em São José durante o período do PSDB não esteve voltada para a população que mais precisa, especialmente a população dos chamados “loteamentos irregulares”. Cerca de 150 mil pessoas moram em bairros sem infraestrutura e bairros nos quais a relação da prefeitura com a população era nada democrática. Então os desafios são esses, é preciso superar esses problemas administrativos e colocar em prática um programa priorizando aqueles que mais precisam.
CM: Quais as principais particularidades que a cidade de São José demonstrou em melhorias de gestão?
CA: São José é uma cidade que tem a maioria da população morando em áreas bem estruturadas (estrutura viária e social). Isso evidentemente faz com que a cidade tenha um nível de exigência alto em relação a serviços públicos, a cobrança é muito grande, o que é natural para uma cidade com essas características. Por outro lado, a cidade sempre teve um bom nível de investimento público graças a uma boa arrecadação, principalmente de ICMS, e essa arrecadação foi alavancada bastante nos últimos anos com o crescimento econômico que o país teve durante os governos do Lula e da Dilma. Mas a cidade está num momento em que a gente tem tido pouco investimento industrial e tem perdido alguns investimentos, principalmente do setor de eletroeletrônico, a própria GM, que vem reduzindo sua produção. Tudo isso produziu um impacto grande na receita do município, o que compromete a capacidade de investimento que a cidade sempre teve, especialmente nesses últimos anos.
CM: Durante as manifestações de junho, pilares da política tradicional como instituições públicas e partidos, foram severamente criticadas. Qual o papel do Executivo local neste momento? E que canais podem ser abertos para dar conta das demandas populares?
CA: Numa democracia sempre será necessário conviver manifestações e movimentos sociais, que muitas vezes são reivindicativos em pontos específicos ou levantam bandeiras políticas mais gerais.
Os movimentos de junho tiveram um caráter muito nacional e acabaram reunindo uma série de bandeiras, às vezes até contraditórias. Aqui, por exemplo, na maior passeata que tivemos havia pessoas de um lado defendendo o transporte público, do outro sendo contra a criação de corredores de ônibus. Então, houve uma multiplicidade de reivindicações, que eu acredito, conseguiram um grau de aglutinação naquele momento por conta de uma exigência da sociedade brasileira em relação aos serviços públicos.
No governo Lula e no governo Dilma, a população melhorou muito sua condição de vida e evidentemente foi para outro patamar social, e ao atingir essa patamar ela não está satisfeita, quer continuar suas conquistas. Por outro lado, houve num setor da classe média certos descontentamentos: esse setor da sociedade enfrentou uma inflação nos serviços e por outro lado não teve um ganho de renda como teve a população mais pobre. Acho que isso serviu para aglutinar esse movimento.
Todo movimento social é legítimo, mas nem sempre o movimento social acerta. Nesse caso, o que percebemos, e eu recebi os líderes do movimento, é que havia vários grupos com visões e bandeiras diferenciadas. De qualquer forma, seja qual for o movimento temos que ter a disposição de dialogar e sempre defender a democracia. Aqui no nosso caso, fizemos dois encontros com eles, sempre defendemos os direitos de manifestação, mas também condenamos os atos de violência e vandalismo que ocorreram em grau bem menor do que outras áreas.
CM: Ainda sobre as manifestações, o MPL ficou conhecido por ter propostas que faziam referências a demandas colocadas pelo PT nos anos 1980 e 90. Hoje vemos o PT se distanciado de certas políticas que eram tão características daquele modo petista de governar. Como o senhor vê esse descompasso? Ele de fato existe? É uma atualização do projeto? As demandas é que mudaram?
CA: Você, quando está no governo, tem que compatibilizar seus sonhos, sua visão ideal de gestão com a realidade. Principalmente a orçamentária, que exige uma definição de prioridades. Uma prefeitura como a de São José aplica em torno de 30% em saúde, mais de 25% em educação. Você tem aqui uma boa rede de equipamentos esportivos pela cidade, que devem ser mantidas e isso evidentemente tem um custo. Pra você, por exemplo, reduzir a tarifa em São José, você teria que praticar subsídios para o setor. Para isso, é preciso tirar dinheiro do orçamento. E de onde você vai tirar? Um órgão de imprensa local fez uma pesquisa no ano passado em que perguntou para a população: o que significava um transporte de qualidade? A rapidez no transporte foi apontado por mais de 35% como principal necessidade. A questão tarifária só apareceu para cerca de 10% dos passageiros, portanto, nossa posição aqui, coerente com nosso projeto, foi priorizar no transporte coletivo. O bilhete único, implantado agora em julho, vai beneficiar aquele que mais precisa, que mora nos bairros mais distantes. E além de priorizar a integração, implantamos os corredores exclusivos de ônibus, que é uma escolha efetiva a favor do transporte público, e é uma medida que tem resistência nos setores mais conservadores, que não possuem uma visão de que a cidade tem que se organizar para priorizar o transporte público. Nós fizemos uma renovação da frota, trocamos mais de 90 ônibus, voltamos com os ônibus articulados, que era uma reivindicação antiga.
Portanto, o que nós priorizamos aqui foi a qualidade do serviço, a rapidez maior no atendimento à população. Porque essa é a grande reivindicação. Implantar subsídios para o transporte em São José significaria necessariamente ter que tirar dinheiro da saúde - da educação não pode tirar porque tem o investimento de 15% é constitucional, nas outras áreas já não há um orçamento tão grande.
Nós achamos, então, que seria razoável não retirar dinheiro da saúde para criar um subsídio que não existe em São José e que não é a principal demanda dos usuários. Em relação à tarifa, nós tomamos uma decisão política a partir das manifestações, das decisões de várias prefeituras e reduzimos a tarifa pra algo que não cobre os custos dos serviços. Por isso, inclusive, nós vamos propor a redução do ISS e já fizemos a proposta de adoção de publicidade nos ônibus visando gerar uma receita adicional e não deixar comprometer os investimentos.
Aliás, sentimos também, e isso me preocupa bastante, não só aqui, mas em todo o país, que esse movimento geral de redução tarifária gerou uma instabilidade muito grande no setor de transportes do país, o que na minha avaliação já comprometeu e pode comprometer ainda mais o investimento no setor, havendo um sério risco de deterioração na qualidade do transporte. Sorocaba, por exemplo, também fez uma redução tarifária; os ônibus antigos de São José foram pra lá. Portanto, tem que ter muito cuidado em relação à tarifa.
CM: O transporte público faz a ligação entre as áreas fundamentais. O paciente vai até o hospital, o estudante até o colégio. Como se faz essa avaliação quanto aos núcleos das empresas privadas? Quanto do subsídio seria só o lucro do empresário que investe?
CA: A realidade de São José é bem diferente das outras cidades, principalmente São Paulo. Aqui as empresas foram contratadas segundo um processo de licitação. Há um contrato em vigor e esse contrato tem um cálculo. Se você andar pela cidade, irá constatar que a frota é 100% adaptada para cadeirantes. Além dos salários de motoristas e cobradores serem dos mais altos do país, há a gratuidade para o idoso a partir dos 60 anos de idade (na maioria das cidades é 65). Eu acredito que todos os setores da economia têm que sofrer uma fiscalização, principalmente os setores que prestam serviços essenciais para a população. No nosso caso, ele foi contratado na gestão anterior e o contrato estabelece o seguinte: a tarifa tem que cobrir os custos do sistema e é previsto uma taxa de retorno para o investidor. Pelas nossas contas e a das empresas, a tarifa de São José hoje está defasada (R$ 3,00), não cobre o custo da operação do sistema. É preciso tomar muito cuidado na área de transporte, não fazer demagogia, pois depois a área pode ser comprometida. Nossa maior preocupação aqui é que as empresas podem simplesmente começar a não atender em horários e linhas deficitárias. Nós podemos fiscalizar, mas muitas vezes fica mais barato pra empresa pagar a multa do que cumprir certos horários.
CM: O orçamento da cidade é muito comprometido pela dívida pública?
CA: Não, não pela dívida pública. Na verdade, ele é comprometido por um custeio muito alto. A prefeitura de São José dos Campos teve ao longo do tempo uma capacidade de investimento maior do que a média brasileira, e obviamente que esses investimentos trouxeram bens e serviços, que geram custeio depois. Esse é o maior comprometimento da receita do município.
CM: Como está a situação das pessoas do Pinheirinho, a relação delas com o poder público?
CA: O aluguel social continua sendo pago (R$ 500,00), o governo do estado paga a maior parte desse custo e o município complementa. A Secretaria de Habitação do Estado e a Caixa Federal vem fazendo reuniões periódicas conosco desde o início da nossa gestão em Janeiro, buscando construir uma alternativa.
Parte da questão poderia ser resolvida com um projeto construído aqui para a zona sul da cidade, mas que acabou se inviabilizando por excessivas exigências das lideranças do movimento. O projeto Minha Casa Minha Vida tem um valor definido pelo governo federal, o estado faz um complemento, mas em São José, onde o custo da terra é muito alto, o valor é insuficiente para viabilizar a construção da unidade habitacional. Agora, nós identificamos uma área na região sudeste, que achamos que pode ser um grande empreendimento de casas térreas, o que é uma preocupação que temos, pois como o preço do terreno aqui é muito alto, as construtoras do Minha Casa Minha Vida só querem construir apartamentos, mas a gente pensa que isso não é interessante para a população que vai ser atendida. A nossa meta é contratar no mínimo 8 mil unidades durante a nossa gestão. Nós precisamos atender essas famílias, isso virou uma prioridade nacional, com o próprio governo do estado tendo essa preocupação dado todo trauma que foi gerado. Já temos aproximadamente 18 mil famílias cadastradas no nosso programa habitacional, além das famílias que moram em áreas de risco, em torno de 2 mil, para quem pretendemos oferecer a alternativa do programa habitacional. Já estamos com 1.845 unidades em construção (1200 do CDHU, umas 600 do Minha Casa Minha Vida), além de 1.044 unidades já contratadas. E ainda tem 6 mil em fase de análise.
A gestão anterior não queria fazer o projeto Minha Casa Minha Vida alegando que você traria pobres para morar na cidade, e o fruto dessa política excludente deles foi o aumento dos deslocamentos irregulares. Essas famílias precisam morar em algum lugar e o que acaba sobrando pra elas são loteamentos irregulares ou áreas de risco.
Colaborou Rodrigo Giordano
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