Danúbia Paraizo e Gabriela Ferigato | 19/05/2015 12:15
Depois de sua vitória nas eleições mais disputadas desde a retomada da democracia brasileira, no ano passado, a presidente Dilma Rousseff tem passado por seguidos baques em sua gestão. Não à toa, a governante já amarga desaprovação recorde em apenas cinco meses de segundo mandato. Segundo pesquisa do Datafolha do último dia 11 de abril, para 60% dos brasileiros a administração da presidente é ruim ou péssima contra os 13% que consideram seu governo bom ou ótimo. Outros 27% avaliam como regular.
Crédito:José Cruz/AgBr
Dilma com o novo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva
Como consequência da instabilidade e da desconfiança de boa parcela da população, milhares têm ido às ruas em protesto. Tantos outros pedem impeachment e até mesmo intervenção militar. As razões para o descontentamento já são conhecidas pelo governo. Passam pelas denúncias de corrupção na Petrobras e a insatisfação com medidas impopulares na economia e nas leis trabalhistas. Recentemente, com o vazamento de um documento interno da Secretaria de Comunicação Social (Secom), que evidencia erros da Presidência na condução da crise, o governo se viu mais uma vez fragilizado diante de suas falhas expostas no noticiário nacional.
O arquivo de cinco páginas, que considera a comunicação da Presidência “errada e errática” no segundo mandato, foi vazado na íntegra pelo site do jornal O Estado de S. Paulo, no último dia 17 de março, pelos jornalistas Valmar Hupsel Filho e Ricardo Galhardo. O caso repercutiu negativamente diante das revelações de que o Partido dos Trabalhadores (PT) utilizou robôs nas redes sociais durante a campanha de reeleição de Dilma.
Segundo o documento, o então candidato Aécio Neves (PSDB) também teria usado o recurso para a propaganda eleitoral na internet. Sem assinatura que remeta ao seu autor, a análise traz ainda críticas sobre a apatia da militância petista na internet “enquanto a oposição bate panela, distribui mensagens pelo WhatsApp e veste camisa verde e amarela”. “A comunicação é o mordomo das crises. Em qualquer caos político, há sempre um que aponte ‘a culpa é da comunicação’. Desta vez, não há dúvidas de que ela foi errada e errática. Mas a crise é maior do que isso.”
Antessala da crise
Como resposta direta ao vazamento na Secom, seu então ministro-chefe, Thomas Traumann, pediu exoneração do cargo no último dia 25 de março, passando a responsabilidade para Edinho Silva. A pasta administra uma verba anual de R$ 200 milhões a serem gastos com publicidade estatal. Sobre a escolha do tesoureiro da campanha de reeleição de Dilma para a Secretaria, Gualhardo acredita que, diante do desafio de contornar as falhas sinalizadas no documento, a troca na administração por si só não será suficiente.
“Embora não seja jornalista, Edinho sempre teve uma excelente relação com os profissionais de imprensa. Seu nome é muito bem-vindo, mas ele sozinho não vai ter condições. Acho que isso não depende do ministro, mas de uma orientação do governo.” Ex-assessor da Presidência no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, Bernardo Kucinski tem ponto de vista. Autor do livro Cartas a Lula (Edições de Janeiro), em que publica algumas de suas análises e críticas da imprensa ao governo, ele destaca que não se trata apenas de erros ou acertos na condução da crise.
“Nunca se implantou no Estado brasileiro o conceito de comunicação pública. Não existem os ritos e protocolos. Cada agência ou ministério faz o que bem entende com a função de defender seus interesses políticos ou corporativos.”
Segundo o jornalista, para elaborar uma estratégia eficaz junto à opinião pública, o governo deveria promover uma revolução interna em suas práticas. Como isso não é feito, a personalidade do presidente acaba determinando os caminhos e estratégias de sua comunicação.
Para Leandro Groppo, analista de marketing político da agência Strattegy, isso explica, por exemplo, a falta de articulação de Dilma com o Congresso, imprensa e, consequentemente, com a sociedade. “Dilma sempre esteve ligada a atividades burocráticas. Foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil. Sua falta de experiência em cargos no Legislativo dificulta no sentido de dialogar e ouvir, ao contrário do ex-presidente Lula, que é um excelente articulador.”
Comunicação errada e errática
Na avaliação dos especialistas ouvidos por IMPRENSA, a comparação com o ex-presidente é inevitável e expõe ainda mais a pouca capacidade do atual governo de se comunicar. "Todo mundo que cobre a gestão de Dilma e que já cobriu a de outros percebe que o fluxo de informação é muito ruim. Tudo leva a crer que é estilo da Dilma, ela gosta de controlar informação. Há relatos de que ela fica muito irritada quando vaza alguma coisa. Ela se comunica mal”, explica Galhardo.
Ainda que Lula seja conhecido por sua relação conturbada com os profissionais de mídia – haja vista o caso do jornalista Larry Rohter, do The New York Times, que teve seu visto cancelado em 2004, após dizer em artigo que o ex-governante tinha o hábito de consumir bebidas fortes em excesso – sua postura foi mais aberta do que a de Dilma. “O Lula podia até não gostar da forma que a imprensa tratava o seu governo, mas ele sabia da importância da imprensa. Ele sabia usar isso a seu favor”, completa o jornalista do Estadão.
Outra postura governamental bastante criticada no documento são os pronunciamentos demasiadamente longos da presidente, tendo como exemplo o discurso no último dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. O vídeo de 15 minutos desagradou parte da população, que bateu panelas durante a veiculação da peça. Groppo ressalta que isso acontece pela dificuldade da presidente na comunicação pessoal, o que a faz preferir dar declarações por meio de pronunciamentos gravados e lidos no teleprompter, sem improviso. “O problema é que essas declarações parecem propaganda, não comunicação. São puramente jogo retórico em que ela fala e o eleitor ou não se interessa pelo que está sendo dito ou acha que a presidente vive em outra realidade.”
Na avaliação do professor Carlos Manhanelli, consultor de marketing político eleitoral, houve, de fato, um erro de condução na crise governamental. Para ele, em momentos em que a imagem do governo é atingida, como nos protestos e panelaços, ter o discurso e a divulgação de informações centralizados é tarefa fundamental, o que não tem ocorrido.
“O que se exige nas mínimas técnicas de gerenciamento de crise é ter administração total da comunicação de todos os órgãos que possam emanar qualquer informação. E isso não foi feito. Cada ministério ou secretaria atira para um lado. O princípio básico é poder administrar a comunicação como um todo.”
Prova disso foi a “saia justa” causada logo no segundo dia do mandato de Nelson Barbosa no Ministério do Planejamento. Em janeiro, ele declarou que faria mudanças na regra de reajuste do salário mínimo, o que teve repercussão negativa na imprensa. Em férias na Bahia, Dilma ligou para Barbosa, pedindo que ele divulgasse nota desmentindo as afirmações anteriores, como revelou o jornal O Globo à época.
Para Groppo, a situação demonstra falta de sincronia e entrosamento do governo com suas pastas. “Especialmente em momento de crise, Dilma peca porque não só deixa de se comunicar, mas delega a comunicação a outros atores políticos. Ela se esquiva. Só que desmentir a fala de um ministro é pior ainda. Essa forma de agir é péssima, porque o eleitorado entende que o país não tem liderança. É quando a oposição ganha força.”
Para Groppo, a situação demonstra falta de sincronia e entrosamento do governo com suas pastas. “Especialmente em momento de crise, Dilma peca porque não só deixa de se comunicar, mas delega a comunicação a outros atores políticos. Ela se esquiva. Só que desmentir a fala de um ministro é pior ainda. Essa forma de agir é péssima, porque o eleitorado entende que o país não tem liderança. É quando a oposição ganha força.”
Sermão para convertidos
O poder de movimentos sociais que se organizam pela internet para convocar protestos e panelaços em todo o Brasil contra a Presidência foi um dos pontos críticos do documento interno da Secom. A secretaria admitiu que o governo tem perdido por “W.O.”, mas que “nem tudo está perdido”. “Dá para recuperar as redes, mas é preciso, antes, recuperar as ruas.” Apontada como uma das principais falhas estratégicas, a comunicação para os já convertidos é um dos tópicos que precisam ser alterados com urgência, na avaliação dos analistas políticos.
Segundo Kucinski, não é novidade que o PT fale para o seu próprio umbigo, mas essa, na verdade, é uma característica de todos os partidos. “Isso se deve principalmente à cultura sectária de todo o campo popular brasileiro, no qual facções se preocupam muito mais em disputar o território interno com outras facções rivais do que em se comunicar com o grande público.”
Como forma de recuperar as ruas, o documento sugere que o governo invista em publicidade na cidade de São Paulo, onde há maior rejeição à Presidência. A sugestão de usar dinheiro público para propaganda do partido foi amplamente criticada. Autor do recém lançado livro “Estado de Narciso – A comunicação pública a serviço da verdade particular” (Companhia das Letras), o jornalista Eugênio Bucci rechaça esse tipo de abuso. “Basta olhar: Argentina, Equador, Venezuela. As administrações desses países não são propriamente modelares em matéria de respeito à opinião pública e usam fortunas em publicidade ou em emissoras de rádio e televisão aduladoras, para martelar mensagens doutrinárias.”
Outro equívoco, segundo o analista da Strattegy, é o de confundir comunicação com propaganda. Para ele, usar publicidade pode ter o efeito reverso ao esperado. “Não é a propaganda que vai resolver a má avaliação. Pelo contrário, em momento de crise ela deve ser evitada porque é vista como cinismo. Como um governante fala que vai tudo bem no país, a inflação está controlada se a população sente no bolso que está comprando menos?”
Ao analisar os modelos de comunicação pública bem estabelecidos, como na Inglaterra e Estados Unidos, Kucinski destaca que o segredo para uma relação mais coerente entre governo e imprensa é justamente fazer da comunicação um bem público. “Falta um conjunto de políticas de incentivo à comunicação de vanguarda, experimental, regional e alternativa. Falta a criação de um Sistema Público de Televisão, unindo ou aproximando as dezenas de TVs universitárias, educacionais e similares. Enfim, falta tudo.”
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