sábado, 30 de maio de 2015

Corrupção na CBF: anunciantes acompanham investigações e podem rever patrocínios

EUA investigam pagamento de propina a cartolas da CBF em meio a contratos da Copa do Brasil

Diego Junqueira, do R7
A Ypióca é uma das empresas que acompanham as investigações para "qualquer tomada de decisão com relação ao patrocínio"LEVI BIANCO/BRAZIL PHOTO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O escândalo de corrupção na Fifa não atingiu apenas a entidade e suas associações filiadas. Os patrocinadores da Fifa também reagiram e pressionaram a instituição, preocupados em não relacionar suas imagens ao esquema de ilegalidades. No Brasil não foi diferente. Patrocinadores da Copa do Brasil — torneio utilizado por membros da CBF para recebimento de propinas — estão acompanhando “de perto” as investigações. Algumas empresas aguardam o desfecho do caso para “tomar medidas futuras” com relação aos patrocínios.
As investigações do FBI (Polícia Federal norte-americana), da Promotoria de Nova York e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos levaram à cadeia oito dirigentes da Fifa, na quarta-feira (27), por fraude, suborno e lavagem de dinheiro — há outros seis réus formalmente acusados que não foram presos e mais 25 “co-conspiradores” cujas identidades não foram reveladas.
Eles teriam aproveitado suas posições de destaque, por meio de recebimento de propinas, para fechar acordos com empresas de marketing esportivo e garantir a essas companhias o monopólio na exploração de torneios de futebol. Esses dirigentes teriam recebido cerca de US$ 150 milhões em duas décadas.
Há duas suspeitas de corrupção envolvendo o Brasil: uma referente ao acordo de US$ 160 milhões firmado em 1996 entre CBF e Nike, e outra referente a acordos de patrocínio e de transmissão da Copa do Brasil.
Em ambos os casos, a propina teria sido paga pelo grupo Traffic (maior empresa de marketing esportivo da América Latina) a dirigentes da CBF. O dono da Traffic, o empresário José Hawilla, é inclusive réu confesso do processonos EUA — ele fechou um acordo para colaborar com as investigações e terá que devolver um total de US$ 151 milhões (R$ 480 milhões).
O patrocínio e a comercialização da transmissão de torneios de futebol é um negócio bilionário e principal fonte de rendimento das associações de futebol.
Segundo o relatório do Departamento de Justiça dos EUA, “a Fifa financia suas atividades principalmente ao comercializar os direitos de mídia e de patrocínio das Copas do Mundo”.
A Fifa registrou US$ 4,18 bilhões em receitas entre 2007 e 2010, sendo 83% (US$ 3,48 bilhões) correspondente à venda dos direitos de transmissão e de patrocínio da Copa do Mundo de 2010, realizado na África do Sul.
No período seguinte (2011-2014), as receitas foram de US$ 5,71 bilhões, sendo US$ 4 bilhões (70%) referentes às vendas dos direitos de transmissão e cotas de patrocínio da Copa 2014.
Os valores envolvendo a Copa do Brasil são bem mais modestos, mas levam ao desembolso de dezenas de milhões de reais anualmente por empresas brasileiras.
A maior patrocinadora do torneio hoje é a BRF (Brasil Foods), dona das marcas Sadia e Perdigão. A companhia desembolsou a maior fatia em patrocínios para levar os “naming rights” dos anos de 2013, 2014 e 2015. No primeiro ano do acordo, o nome do torneio foi “Copa Perdigão do Brasil”, passando a se chamar “Copa Sadia do Brasil” nas duas edições recentes.
Em uma publicação interna da BRF, a marca destaca o patrocínio por se tratar da “competição mais democrática do país nessa modalidade”, envolvendo “times de todas as séries e todos os estados”.
De acordo com o presidente da Abraesporte (Academia Brasileira de Marketing Esportivo), José Estevão Cocco, ao fazer esse tipo de patrocínio, as empresas buscam as qualidades positivas do esporte, como a visibilidade, o espírito de garra, a competição e a coletividade. Mas há também o “risco de arcar com as notícias negativas”.
— Há muitos exemplos disso, principalmente nos esportes individuais. Quando um atleta se envolve com drogas ou doping, as empresas se apressam para retirar os patrocínios. Num escândalo dessa magnitude [como o da Fifa], com a prisão dos principais dirigentes, isso se agrava.
Em nota oficial sobre o aporte na Copa do Brasil, a BRF disse que “o contrato firmado pela Sadia (BRF) segue rigorosamente a lei e a empresa aguarda o resultado das investigações”.
Receio para o futuro
R7 procurou os atuais e alguns dos antigos patrocinadores da Copa do Brasil. Além da Sadia, as marcas ELO, Petrobras, Claro HDTV, Itaipava, Nikon, Ypióca, Vedacit, Eternit, SIL e Centauro patrocinam a atual edição. Herbalife e Visa, patrocinadores da edição anterior, também responderam à reportagem. A Petrobras foi a única empresa que não enviou nenhuma resposta.
Algumas empresas preferiram não se pronunciar, como a Claro, a Eternit e a SIL (veja todos os posicionamentos abaixo). Duas empresas, contudo, afirmaram que poderão “tomar medidas” com relação aos patrocínios, a depender do resultado das investigações.
“Estamos acompanhando o desfecho das investigações para qualquer tomada de decisão com relação ao patrocínio e eventual adoção das medidas legais que se apresentem necessárias”, declarou a Diageo, detentora da cachaça Ypióca.
Já a Vedacit “acompanha de perto o andamento das investigações para avaliar as medidas futuras sobre o patrocínio da Copa do Brasil”.
Segundo Cocco, as empresas tendem a ficar com “um pé atrás” ao realizar novos patrocínios no futebol, já que “a confiança e a credibilidade” foram afetadas. E o valor de futuros contratos tende a cair, diz.
— Será que aliar hoje a minha marca com futebol é um negócio sensato, seguro? Então preciso pensar até mais de duas vezes antes de fechar um acordo.
A empresa de cartões de crédito Visa, uma das principais parceiras globais da Fifa, emitiu comunicado oficial na quarta, dia das prisões na Suíça, afirmando que a entidade precisa “tomar medidas agora”, caso contrário “o patrocínio será revisto”.
A Visa patrocinou a Copa do Brasil até o ano passado. Atualmente é parceira da Copa Libertadores da América, torneio também apontado pela Justiça dos EUA como base para pagamentos de propina a dirigentes.
O escritório da Visa no Brasil reforçou o posicionamento internacional da companhia, mas sem fazer referência a revisões de contratos regionais.
Quem é o dono da Copa do Brasil?
A CBF é a organizadora da Copa do Brasil, mas quem comercializa a publicidade do torneio e quem vende a transmissão é o grupo Traffic.
Segundo as investigações, a Traffic Brazil fechou um acordo em 2009 para comercializar os direitos de imagem do torneio entre 2009 e 2014. Uma segunda companhia, não especificada no relatório, adquiriu os direitos de comercialização para o período de 2015-2022.
Apesar de não especificar, as cotas de patrocínio da Copa do Brasil 2015 continuaram sendo comercializadas pela Traffic, em parceria com a Klefer Marketing Esportivo, que tem como sócio o empresário Kleber Leite, ex-presidente do Flamengo. Outro indicativo de que a Klefer seria essa empresa é o fato de a Polícia Federal e o Ministério Público Federal terem realizado buscas na empresa na última quarta.
Klefer e Traffic ainda realizaram um evento conjunto em 23 de fevereiro passado no Allianz Parque, estádio do Palmeiras, para apresentar as marcas patrocinadoras da Copa do Brasil.
Segundo as investigações, a Traffic teria pago R$ 12 milhões a Klefer ao fecharem uma parceria em 2013 para seguirem explorando a marca da Copa do Brasil. A Traffic teria fechado um outro acordo para arcar com metade da propina a três membros e ex-membros do alto escalão da CBF. Um deles é José Maria Marin, atual vice-presidente, os outros dois não foram especificados no relatório.  As propinas totalizariam R$ 2 milhões por ano. O responsável pelo pagamento da outra metade da propina não foi apontado no relatório.
Segundo as investigações, em abril de 2014, Marin ainda tratou com J. Hawilla sobre como acabar com os pagamentos a Ricardo Teixeira, seu predecessor no comando da CBF. Hawilla teria concordado. “Claro, claro, claro. Esse dinheiro tem que ser dado a você”, declarou Hawilla.
Assim, o pagamento de propina, segundo as investigações, não partiu das empresas anunciantes, mas sim da detentora dos direitos (a Traffic Sports) diretamente para membros do alto escalão da CBF. Até o momento, apenas Marin foi detido.
Leia abaixo as respostas dos patrocinadores sobre o escândalo em torno da CBF e da Copa do Brasil.
BRF
"O contrato firmado pela Sadia (BRF) segue rigorosamente a lei e a empresa aguarda o resultado das investigações".
Centauro
"O Grupo SBF, detentor da Centauro, afirma que a marca é patrocinadora do futebol brasileiro e preza pela transparência e ética no relacionamento com todos os seus fornecedores e parceiros. A empresa espera que as autoridades apurem e esclareçam as suspeitas levantadas no referido processo".
Elo
"A Elo informa que a compra de cota de patrocínio da Copa do Brasil, no período de 2015 a 2017, foi formalizada em 2014, através de contrato enquadrado à legislação brasileira.
A empresa preza pela ética e transparência e segue rígida política de compliance em todas as suas negociações comerciais, incluindo patrocínios e mídia".
Claro HDTV
"A Claro não irá comentar o assunto".
Petrobras
Não enviou resposta.
Ypióca
"A Diageo, que é listada na Bolsa de Valores de Londres e Nova York, segue todas as normas e legislações vigentes no Brasil e em todos os países onde atua e firma contratos baseados em altos padrões de Compliance e em seu Código de Conduta. A mesma situação se aplica ao contrato firmado com a Traffic para patrocínio da Copa do Brasil com a marca Ypióca.
Por políticas da companhia, a Diageo não divulga valores envolvidos em seus contratos. Neste caso, o objetivo do patrocínio é fomentar uma das paixões brasileiras, que é o futebol. Estamos acompanhando o desfecho das investigações para qualquer tomada de decisão com relação ao patrocínio e eventual adoção das medidas legais que se apresentem necessárias.
A Diageo ressalta seu compromisso com a ética e com o cumprimento das leis brasileiras e de todos os 180 países onde atua".
Vedacit
"Com relação ao caso da FIFA, apresentado pela imprensa nesta semana, a Vedacit informa que acompanha de perto o andamento das investigações para avaliar as medidas futuras sobre o patrocínio da Copa do Brasil".
Nikon
A empresa preferiu não se pronunciar.
Itaipava
A empresa preferiu não se pronunciar.
Eternit
A empresa preferiu não se pronunciar.
SIL
A empresa preferiu não se pronunciar.
Herbalife
"A Herbalife, empresa global de nutrição, foi uma das patrocinadoras da Copa do Brasil 2014, em linha com a sua estratégia de apoiar o esporte e estimular as pessoas a adotarem um estilo de vida saudável e ativo. Todas as iniciativas de apoio e patrocínio da empresa seguem rigorosamente a legislação específica de cada um dos países em que a empresa atua, bem como o seu código de ética".
Visa (comunicado global)
"Nossa decepção e preocupação com a Fifa são profundas. Como patrocinadores, esperamos que a Fifa tome decisões imediatas. Isto começa com a reconstrução de uma cultura com fortes práticas éticas para restaurar a reputação dos jogos para os torcedores. (...)
Nosso patrocínio sempre foi focado no apoio aos times, permitindo uma grande experiência aos torcedores e inspirando comunidades a se unirem e celebrarem o espírito de competição e realização pessoal — e é importante que a Fifa faça mudanças agora. Se a Fifa falhar nisso, já lhes informamos que vamos reavaliar nosso patrocínio".

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