terça-feira, 17 de novembro de 2015

Tundisi: “Contaminação da lama por metais chegará até o ser humano”


riodoce
Informações nos jornais sobre impactos no ser humano do maior desastre ambiental da história do Brasil estão dispersas, e não ganham destaque nas capas
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
O Estadão ofereceu apenas dois parágrafos, no fim de um texto sobre os impactos da lama da Samarco em Mariana (MG), para a opinião do ecólogo José Galizia Tundisi, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Instituto Internacional de Ecologia. Ele é até cuidadoso ao falar do assunto, pois não se sabe ainda se a contaminação química atingiu os lençóis freáticos.
Mas dispara: “A provável contaminação de lama por metais terá consequências em cascata, porque vários animais se alimentam de outros que foram contaminados. Esse ciclo alimentar chega até o ser humano, com efeitos cumulativos”.
Tundisi publicou mais de 200 trabalhos em revistas especializadas. Atuou como consultor em 40 países. É especialista em recuperação de represas e no planejamento regional baseado em recursos hídricos. Presidiu o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é membro da Ordem Nacional do Mérito Científico.
AGROTÓXICOS
A professora Beatriz Missagia, doutora em Saneamento, Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais, explicou ao UOL que a lama levou esgoto e agrotóxicos das terras por onde passou. “Essas substâncias aceleram a produção de algas e bactérias, que rapidamente cobrirão as lagoas, formando um tapete verde que impede a fotossíntese dentro d’água”, explicou. “Se não há fotossíntese, não há oxigênio. Sem oxigênio os animais, vegetais e bactérias não têm chance de sobreviver”.
O portal fez ontem manchete significativa: “Restaurar natureza tomada por lama é impossível; rio Doce pode desaparecer“. Ela fez pesquisa sobre biodiversidade no Rio Doce e calcula em pelo menos 20 anos o tempo necessário para reverter parte do processo. “Restaurar será impossível”, afirmou. “É uma catástrofe”. O ambientalista Marcus Vinicius Polignano, professor da UFMG, confirma: “O dano provocado no ecossistema é irreversível”.
MERCÚRIO
A Folha deste domingo traz chamada para o desastre em Mariana no pé da primeira página, em chamada escondida pela cobertura do massacre na França. Mas esconde no meio do texto interno a informação de que 500 mil pessoas na região estão com as torneiras secas, porque não se pode captar a água do Rio Doce.
O jornal ouviu também o biólogo André Ruschi. Ele foi um dos primeiros a alertar – como repercutiu este blog na quarta-feira – sobre os impactos, por mais de um século, do rompimento das barragens. Ele não hesita em defini-lo como o maior desastre ambiental da história do país e constata que muitas espécies animais e vegetais já foram extintas.
Lá pelas tantas, o texto informa que o rejeito de mineração de ferro, “segundo especialistas” (não identificados), é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro, alumínio e manganês. E diz que a composição não é considerada tóxica para humanos. Mas que a lama funciona como uma esponja, arrastando outros poluentes para dentro do rio.
Resultado: altos níveis de mercúrio em amostras de água coletadas em Governador Valadares (MG). “Elementos como mercúrio têm efeito cumulativo”, diz Ruschi, repetindo a informação de Tundisi. “Uma vez ingeridos, vão passando de um ser vivo a outro na cadeia alimentar, concentrando-se cada vez mais”. O jornal não informa de onde teria vindo esse mercúrio.
Um biólogo da UFMG, Ricardo Coelho, explica ao jornal que pode demorar a aparecer a contaminação dos organismos por determinados tipos de metais e outros poluentes. “Mas esse impacto pode permanecer durante anos em todo o rio Doce”.
A Samarco (da brasileira Vale e da anglo-australiana BHP Billinton) disse à BBC Brasil que o material despejado – e que destruiu um povoado inteiro em Mariana, onde viviam 500 pessoas – “não apresenta riscos à saúde pública e ao meio ambiente“.

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