segunda-feira, 25 de maio de 2015

"CBF ainda não compreendeu que a época de ‘calar’ jornalistas já passou", diz Jamil Chade


Matheus Narcizo* 25/05/2015 16:30


Pentacampeã mundial e referência quando o assunto é futebol, a seleção brasileira parece ter deixado de lado o esporte para mergulhar de cabeça no mundo do marketing e do comércio envolvendo altas cifras.
Corrupção, desvio de verbas em paraísos fiscais, amistosos ordenados e convocações de atletas única e exclusivamente por seu valor comercial parecem ser alguns sinais de como a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pode ter "vendido a seleção".
IMPRENSA falou com o jornalista Jamil Chade, correspondente internacional do Estadão, em Genebra, e que publicou reportagens com documentos que comprovam como a organização teria tornado o futebol canarinho um "órgão comercial".

Crédito:Divulgação
Jamil diz que não se intimida com pressões a CBF após revelar contratos
O acordo
As tratativas entre a CBF e a ISE (Internacional Sports Events), uma empresa de fachada, com sede nas Ilhas Cayman, foram firmadas em 2006, durante o período preparatório da seleção para a Copa da Alemanha, na cidade de Weggis, na Suíça. "O Brasil perdeu a Copa ali, porque a seleção passou a ser utilizada para interesses de grupos privados", diz Chade.
Até o ano de 2012, a ISE foi responsável por sublicenciar as operações da Kentaro, empresa esportiva que passou a gerenciar todos os amistosos da seleção brasileira. A partir dali, a Kentaro deu lugar à Pitch International na administração dos jogos. "Se o acordo foi feito de forma legal e transparente, por que fazer um contrato com uma empresa que não existe? Por quais motivos entrar em acordo com uma agencia que está alocada em um paraíso fiscal? Estas informações tornam a justificativa da CBF totalmente ilegítimas", defende. 

Apuração e a intimidação da CBF
O processo de apuração das informações, entre as primeiras sondagens e o momento de encontro com a fonte, não foi fácil. Ao todo, foram nove anos de tentativas. "Há um mês recebi uma ligação de uma fonte e nos encontramos em outro país. O documento batia com todas as assinaturas e pude confirmar que era legitimo. O engraçado é que a CBF diz que é transparente com documentos. Ou eu sou um péssimo jornalista, já que fiquei nove anos atrás deste documento, ou ela é que não tem nada de transparente", ressaltou. 

Logo após a publicação da reportagem, a organização futebolística se retificou sobre a matéria e chegou a chamar o jornalista de "mentiroso" e "mal-intencionado". Para ele, esta é a maneira que a CBF encontra – por meio da intimidação, como ressalta – de tentar calar os repórteres.
"A nota é para intimidar, tirar a legitimidade e o crédito da reportagem. Ela [CBF] deixa bem claro que o ataque é feito diretamente ao repórter. Mas, eu não me sinto intimidado porque sei que o que eu tenho em mãos é legitimo. A CBF ainda não compreendeu que a época de ‘calar’ jornalistas já passou".
Chade ainda ressalta que a resposta dada pelo órgão é falha e inválida. O repórter também revelou que, além de definir quais jogadores farão parte da seleção – aqueles que tiverem o maior valor comercial – a ISE e a Pitch também tiveram a responsabilidade de definir os adversários brasileiros. "Falei com três emissoras de TV europeias e fui informado que as empresas prometiam que a seleção brasileira jogaria sempre com seus principais atletas". 

Uma situação bastante "interessante", segundo Chade, aconteceu na partida amistosa entre Brasil e Gabão, em 2011. Na ocasião, Dunga não levou jogadores como Neymar, Ganso, Leandro Damião e Kaká, fato que obrigou a ISE a afirmar que "não suportaria mais o que havia acontecido naquela partida".
Repercussão fora do Brasil 
Pouco tempo após a publicação da reportagem, o material rende comentários e especulações que vão além da imprensa nacional. "Já dei entrevistas para jornais da Grécia, Finlândia, Inglaterra".

Chade ainda acredita que o interesse da mídia internacional se relaciona à força da seleção brasileira. "Os veículos estão cobrindo tudo o que podem, por ser a seleção brasileira. Todos perceberam que a equipe se tornou um produto". 

O jornalista crê pouco numa mudança imediata na forma de gestão do esporte no Brasil após a reportagem. Mas, para ele, o jornalismo é crucial para divulgar "perguntas que possam se tornar respostas". 

"A insistência da pergunta traz a resposta. Vivemos um momento onde a imprensa esportiva tem papel fundamental de colocar os caras na parede. Não podemos desistir da seleção e creio que o jornalismo tenha grande papel nisso"
Além da imprensa, Chade acredita que o movimento Bom-Senso, liderado por atletas de futebol brasileiro e que visa uma melhor qualidade no esporte, possa ser também uma chave para o futuro. "O Bom-Senso é o início de uma pressão dos próprios atores do futebol. Se eles conseguirem realizar mudanças, isso seria fundamental", finaliza.

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