A liberdade de expressão é a máxima expressão da liberdade.
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O Conversa Afiada reproduz e-mail que recebeu de seu (excelente) advogado Cesar Marcos Klouri, advogado também de Rubens Valente, autor do imperdível “Operação Banqueiro”. Não deixe de ler “Sem Gilmar não haveria Dantas”.
O Ministro (!) tem a mania de perseguir jornalistas.
Que o diga o Mino Carta.
E o Klouri a mania de ganhar !
Veja na aba “Não me calarão” a coleção de vitórias que ele acumula (por enquanto).
Caro Paulo,
O Dr. Valter André de Lima Bueno Araújo da 15a. Vara Cível de Brasília, julgou improcedentes os pedidos indenizatórios formulados por Gilmar Ferreira Mendes contra o jornalista Rubens Valente Soares e Geração Editorial, referente à obra ”Operação Banqueiro”.
A sentença esgota em sua fundamentação a prevalência da liberdade de expressão, consagrando-a,afastando a responsabilidade civil pretendida pelo Ministro do STF, afirmando inexistir na obra divulgação de informação falsa ou intuito difamatório.
Abs,
Cesar Klouri
Abaixo, a decisão judicial:
Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2014.01.1.052798-6
Vara : 215 – DÉCIMA QUINTA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA
Processo : 2014.01.1.052798-6
Classe : Procedimento Ordinário
Assunto : Indenização por Dano Moral
Requerente : GILMAR FERREIRA MENDES
Requerido : RUBENS VALENTE SOARES e outros
Sentença
GILMAR FERREIRA MENDES ajuizou AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS contra RUBENS VALENTE SOARES e GERAÇÃO EDITORIAL LTDA., narrando, em síntese, que o livro “Operação Banqueiro”, de autoria do primeiro réu e publicado pela segunda ré, causou-lhe danos morais diante do manifesto intuito difamatório e atentatório contra sua dignidade. De acordo com a inicial, sob a pecha de investigação jornalística o primeiro réu pretende alardear e propagar distorções, mentiras e despautérios a respeito de pessoas ligadas direta ou indiretamente relacionadas à “Operação Satiagraha”. Prossegue a narrativa afirmando que, dentre as diversas distorções fáticas, quatro exemplos contidos na obra demonstram a má-fé do primeiro réu: a acusação de ausência de imparcialidade do autor em sua atuação como juiz; a distorção da biografia do autor; a deturpação do julgamento do habeas corpus 95.099; e a tendenciosa narração acerca da presença de escutas telefônicas ilegais nos gabinetes da presidência do STF. Após discorrer especificamente sobre os respectivos trechos da obra, ao final, pede o autor a condenação dos réus ao pagamento de uma compensação por danos morais, sugerida em R$200.000,00 (duzentos mil reais), e a determinação de que conste nas futuras edições do livro “Operação Banqueiro” e em revista de grande circulação o teor da sentença a ser proferida, acompanhada da transcrição integral da petição inicial.
Acompanham a inicial os documentos de fls. 37/113.
Citação da segunda ré às fls. 119/119-v e do primeiro réu às fls. 123.
Os réus apresentaram contestação, em peça única, às fls. 125/163, em que, inicialmente, são tecidas considerações sobre a carreira do primeiro réu. Prosseguindo, de acordo com a defesa, o livro “Operação Banqueiro” tem por objetivo a “Operação Satiagraha” e as investigações sobre os negócios do Grupo Opportunity, retratando a trajetória da instituição e das pessoas que o investigaram. Afirmam os réus que a decisão proferida pelo autor no habeas corpus 95.009 foi motivo de inúmeros debates, de estudo pela Associação dos Magistrados Brasileiros e de manifestação de 42 (quarenta e dois) procuradores da república. Prosseguem narrando que, quando da elaboração da obra, o autor foi procurado para apresentar explicações a serem inserias no texto final. Segundo a contestação, o livro é uma narrativa sobre a “Operação Satiagraha” e o primeiro réu quis apresentar ao leitor o Presidente do STF que concedeu 02 (dois) habeas corpus em favor dos principais réus da ação. Sobre a história da família do autor, afirmam os réus que houve apenas um relato sobre pessoas que ocuparam cargos públicos, sem emissão de juízo de valor. Por fim, a respeito do episódio das escutas telefônicas, a contestação afirma que ele é indissociável da operação abordada no livro, mas que não houve nenhuma acusação ao autor. Sustentando que ao jornalista são conferidas prerrogativas constitucionais inerentes à liberdade de expressão e de informação, os réus pedem a improcedência dos pleitos formulados na inicial, requerendo a condenação do autor como litigante de má-fé.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 166/193.
Réplica às fls. 196/211.
As partes não requereram a produção de novas provas (fls. 214 e 215)
Vieram os autos conclusos para sentença.
Este, em síntese, o relatório.
Não houve arguição de questões preliminares nem requerimento de outras provas, pelo que passo ao julgamento do mérito, nos termos do art. 330, inciso I, do CPC.
Como exposto acima, trata-se de pleito de compensação por danos morais formulado em razão de afirmações contidas na obra “Operação Banqueiro”, escrita pelo primeiro réu e publicado pela segunda ré.
A questão versa acerca da eventual violação a direitos da personalidade (art. 5º, incisos V e X, CR/88) em decorrência do exercício da liberdade de informação e expressão (art. 5º, incisos IV, IX e XIV, CR/88). Vê-se, portanto, que, a princípio, as pretensões, tanto do autor quantos dos réus, encontram fundamento em normas de igual hierarquia.
Especificamente quanto à liberdade de imprensa, a Constituição da República dispôs, em seu art. 220, que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto no próprio texto constitucional. Isso significa que, apesar de a regra geral ser a garantia da liberdade de imprensa, ela pode, eventualmente, esbarrar em outros valores constitucionalmente tutelados, como, por exemplo, a imagem e a honra de alguém.
Com o tempo, doutrina e jurisprudência estabeleceram parâmetros para solucionar casos de colisão entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. Em artigo intitulado “Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalida
de. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa” (disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm), LUIS ROBERTO BARROSO afirma que o intérprete deve se valer dos seguintes critérios para tomar uma decisão diante do caso concreto: a) a veracidade do fato; b) a licitude do meio empregado na obtenção da informação; c) a personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia; d) o local do fato; e) a natureza do fato; f) a existência de interesse público na divulgação em tese; g) a existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos; h) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação.
Parece-me que são relevantes, no presente caso, os critérios apontados nos itens “a”, “c”, “f” e “g”.
Não há muito a dizer acerca da veracidade das informações. Por evidente, os réus serão responsabilizados caso alguma das informações veiculadas seja falsa.
No mais, a obra em análise versa sobre a conduta do autor em caso jurídico de grande repercussão à época. Com efeito, é notório que a “Operação Satiagraha” tomou os noticiários, em todas as mídias. Justamente por isso, pode-se afirmar que o autor, nesse contexto, é personalidade pública e, enquanto ministro do STF, exercendo, à época, a Presidência do Tribunal, praticava atos que externavam a atuação de um órgão público.
Pelas mesmas razões, é claro o interesse público na investigação e divulgação dos fatos.
Também a respeito da liberdade de imprensa, o STF já deixou assentado que ela se trata da uma “alternativa à versão oficial dos fatos”, por ocasião do julgamento da ADPF 130, da relatoria do Min. Ayres Britto. Dentre as diversas disposições da ementa do acórdão, destaco a seguinte:
“7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e “real alternativa à versão oficial dos fatos” (Deputado Federal Miro Teixeira)”.
Em síntese, com essa introdução quero dizer que a liberdade de imprensa, em regra, possui precedência em relação aos direitos da personalidade. Na prática, isso significa que os réus serão condenados apenas se ficar demonstrado que procederam de forma abusiva ou leviana, seja relatando fatos não verdadeiros, seja desbordando da função jornalística.
Estabelecida essa premissa, passo a analisar o pleito. A inicial transcreveu determinados trechos da obra escrita pelo réu, delimitando, dessa forma, a causa de pedir, razão pela qual ficarei a eles adstrito, observando a própria divisão de temas estabelecida pelo autor.
- Acusação de ausência de imparcialidade do autor em sua atuação como juiz
Segundo a inicial, no capítulo do livro intitulado “Um Caso Excepcional”, o primeiro réu “faz caviloso uso de informações truncadas para criar, tal como sugere o título, ilações destinadas a colocar em xeque a honra e a dignidade do Requerente”, transcrevendo o seguinte trecho da obra (fls. 04):
“As estreitas ligações de Mendes com Wald e Bermudês não impediram o ministro de julgar os dois HCs em favor do banqueiro [Daniel Dantas]. O ministro não se considerou impedido para julgar o caso. O Código de Processo Civil, entre os artigos 134 e 138 diz que o juiz pode se declarar impedido “por motivo de foro íntimo”, além de outras hipóteses listadas, dentre as quais, “amigo íntimo ou inimigo capital de quaisquer das partes”. O CPC também abre a possibilidade de as partes levantarem a suspeição do juiz, o que não foi feito pela Procuradoria-Geral da República. Alguns advogados e juízes alegam que só os réus são partes de processos, não os advogados. [p. 368]“.
Sustenta o autor que sua relação com os senhores Arnoldo Wald e Sérgio Bermudes se resume a contatos profissionais e acadêmicos, e que nenhum deles efetivamente estava constituído no caso em questão.
As relações entre o autor e os advogados citados são abordadas pelo réu a partir da página 363 da obra. Em nenhum momento, pelo menos nos trechos destacados pelas partes, vi o réu afirmando que seriam amigos íntimos. De acordo com a obra, as relações do autor com Arnoldo Wald seriam profissionais (co-autor
ia de artigo, elaboração da Lei 9.882/99 etc.). No mais, o réu afirma que o autor e Sérgio Bermudes são amigos, com base em reportagem veiculada na revista “Piauí”, em 2010 (fls. 187 e ss. dos autos), em que consta declaração do advogado afirmando que ele o autor “são irmãos”.
Até aqui, portanto, não há como afirmar que o réu faltou com a verdade em sua obra.
Também é possível concluir que não foi omitida a informação de que os mencionados advogados não foram constituídos para atuar nos casos analisados pelo autor. De acordo com o livro, Sérgio Bermudes e Arnoldo Wald eram alguns dos advogados mais contratados pelo grupo Opportunity. Concluiu o réu, então, que a relação do autor com os causídicos deveria gerar seu impedimento para julgar o habeas corpus impetrado por Daniel Dantas.
Tecnicamente, a toda evidência essa circunstância não constitui, a priori, razão para afastamento do juiz de um caso, seja por impedimento ou suspeição. No entanto, não há como exigir do réu o rigor técnico que se exige de um jurista. Não se pode perder de vista que, aos olhos de um leigo, o simples fato de o juiz conhecer o advogado da causa pode levantar suspeitas sobre sua imparcialidade. E nada há de ilícito nisso, a não ser que se trate de alguma suposição leviana, o que não é o caso.
É dado à imprensa e à população questionar a isenção de ânimo de um juiz, sem que isso configure um ataque direto à sua imparcialidade, justamente por se tratar o magistrado de figura que exerce função de Estado e, como tal, sujeita à sindicância de qualquer cidadão. Não custa lembrar, aqui, o notório e geral questionamento acerca da possibilidade ou não de o Min. Dias Toffoli atuar no julgamento da Ação Penal 470, em razão de suas ligações pretéritas com o partido de diversos réu daquele feito. A meu ver, nada mais legítimo e republicano.
A inicial ainda acusa o réu de, deliberadamente, confundir os institutos da suspeição e do impedimento. Pelos mesmos fundamentos expostos acima, não vejo a prática de nenhum ilícito, senão uma impropriedade técnica.
Conforme já decidiu o STJ em caso semelhante:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA CONSISTENTE EM SÉRIE DE PUBLICAÇÕES CONSIDERADAS OFENSIVAS POR ATRIBUÍREM PRÁTICA DE DELITOS AO AUTOR, POLICIAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO, ENTRETANTO, DE EXCLUDENTE, DERIVADA DE PURA DIVULGAÇÃO JORNALÍSTICA. PROVIMENTO.
1.- Publicação de série de escritos jornalísticos, originados de informações contidas em informações do Ministério Público e da Polícia Federal não configura ilícito apto a desencadear indenização por dano moral, ainda que lançada em liguagem incisiva e dura.
2.- Imprecisões técnicas de linguagem, atinente a matéria jurídica, como significado de folha de antecedentes, cancelamento de registro de inquéritos e outras, bem como do sentido de arquivamento e absolvições, não implicam dano moral, quando não visualizado dolo implícito no uso inadequado dos termos.
3.- Atividades típicas de crimes contra a honra – injúria, calúnia e difamação – não configuradas, à ausência de adjetivação e adverbiação nos escritos e, ainda, à não evidência de dolo consistente na intenção de ofender.
4.- Recurso Especial provido, ação julgada improcedente. (REsp 1305897 / MG. Rel. Min. SIDNEI BENETI. Terceira Turma. DJe 18/09/2012).
Nesse particular, portanto, é improcedente a pretensão.
- Distorção da biografia do autor
Sustenta o autor que o réu procura desclassificar sua conduta desde uma suposta associação de seu genitor e da origem de seu patrimônio com a ditadura militar, até sua atuação como membro do Ministério Público.
É transcrito o seguinte trecho:
“Página 347 – Após o esgotamento das riquezas, Diamantino entrou em decadência no século 20. Mas a família de Mendes, no sentido contrário, ganhou prestígio e poder. Depois do Golpe Militar de 1964, o pai do ministro, Francisco Ferreira Mendes, o “Chiquinho”, se elegeu duas vezes prefeito da cidade com o apoio do partido que dava sustentação política à ditadura, a Arena”.
De acordo com a inicial, o réu relacionou o prestígio da família do autor à suposta decadência do município de Diamantino e à ditadura militar, implicando ideias de causa e efeito.
Aqui, penso que a interpretação dada pelo autor é subjetiva demais para ensejar a responsabilização do réu. Não houve emissão de nenhum juízo de valor e não há como concluir, de forma inequívoca, que foram estabelecidas relações de causa e efeito. Ou seja, não há como afirmar que o réu quis dizer que a família do autor ascendeu ao poder justamente porque a cidade entrou em decadência. Extrai-se, no máximo, a simultaneidade desses acontecimentos.
O mesmo se diga em relação à eleição do pai do autor com apoio da Arena. Trata-se de um fato histórico e, ao que parece, não houve distorção de nenhum acontecimento. A pecha negativa do regime militar, por outro lado, não pode ser atribuída ao réu.
Prosseguindo, afirma o autor que o réu pretendeu associá-lo ao ruralismo, afirmando
que essa suposta ligação teria sido responsável por uma discussão ocorrida no STF:
“A ligação de Mendes com o meio rural deu origem a um dos piores bate-bocas da história do STF. No meio da discussão, o ministro Joaquim Barbosa disse que Mendes estava “destruindo a Justiça desse país” e alfinetou: “Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas no Mato Grosso”. Mendes reagiu: “Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite”. O debate esquentou depois que Mendes afirmou que Barbosa não tinha “condições de dar lição de moral a ninguém”.
Na página 356 do livro escrito pelo réu, lê-se que a “família [do autor] era proprietária de três fazendas que somavam 1.764 hectares em Diamantino e Alto Paraguai (MT), uma delas avaliada em R$1 milhão, além de criar 309 cabeças de gado”. Prossegue o réu afirmando que isso “não impediu que Mendes, na presidência do STF, fizesse pesadas críticas aos movimentos de trabalhadores rurais sem terra e ao governo, de quem cobrou ação enérgica contra invasões de terras”.
Apesar de o autor afirmar que essas passagens o associam ao ruralismo, também não verifiquei a emissão de nenhum juízo depreciativo emitido pelo autor, senão a mera narrativa de fatos.
Relativamente à notória discussão ocorrida entre o autor e o Min. Joaquim Barbosa, é certo que este último valeu-se desses fatos para fazer alusão aos “capangas no Mato Grosso”. No entanto, essa conduta, evidentemente, não pode ser atribuída ao réu, que apenas reproduziu a discussão.
A inicial transcreve, ainda, outra passagem:
“Página 350 – A PGR entendeu que a nova Constituição dizia que ele deveria atuar na primeira instância da Justiça Federal, junto com os outros procuradores “comuns”. Mendes não gostou, atribuiu a medida ao novo procurador-geral, Aristides Junqueira. Anos depois, Mendes deu demonstração de que não perdoou o comportamento de Aristides [...]
É notável perceber que o primeiro dos atritos de Mendes com o Ministério Público, que já remontam duas décadas, nasceu por uma discussão sobre seu cargo. Por diversas vezes ao longo de sua trajetória, Mendes demonstrou uma capacidade extrema de levar a séria suas contendas. Àquela época, já não era diferente”.
Sobre esse trecho aduz o autor que é mentirosa a afirmação de que não gostou das novas atribuições no cargo de procurador da república.
O réu se defende ao argumento de que o descontentamento com o ocorrido na Procuradoria Geral da República é a expressão do que o autor declarou a vários senadores em sessão pública.
A esse respeito, penso que a afirmação “Mendes não gostou” não é suficiente para violar algum direito da personalidade do autor. Com efeito, trata-se de assertiva que, definitivamente, não constitui ofensa à honra ou à intimidade de alguém.
Ainda que assim não fosse, trata-se de afirmação decorrente de declaração prestada pelo autor na sessão em que foi sabatinado em 15/05/2002, conforme exposto na página 350 da obra, em que declarou:
“Devo ter voltado um pouco melhor, mas o dr. Aristides disse: “Você vai para a primeira instância, porque agora a regra é essa: procurador que não é subprocurador fica na primeira instância. Agora, aqui manda a corporação”.
Em relação a esses fatos, portanto, não há como acolher a pretensão inicial.
- Deturpação do julgamento do habeas corpus nº 95.009
O autor afirma que o réu teceu considerações que atacam diretamente sua honra, qualificando sua atuação no caso como “bizarra”, transcrevendo o seguinte trecho:
“Na manhã do dia 11, o Opportunity tinha algo a comemorar. “Vocês já leram o Estadão? O Gilmar está mandando abrir uma sindicância contra o Fausto no CNJ. E O Globo também [diz o mesmo]“, informou Danielle a Arthur Carvalho.
Mendes também enviou comunicação à Corregedoria do TRF da 3ª Região, que abriu um, procedimento. Trata-se de uma peça tão bizarra, que De Sanctis depois mandou plastificá-la, como recordação. O documento informa a abertura de uma investigação contra o juiz. No campo destinado ao “assunto”, que se constitui no motivo da apuração, está dito que são as próprias decisões tomadas pelo magistrado. Uma decisão judicial, sobre a qual há todo um espaço legal no Judiciário para ser debatida, mantida ou derrubada, era agora denunciada como insubordinação e desobediência. Se toda decisão judicial der origem a uma representação, as corregedorias do Judiciário entrarão em pane [pp. 303-304]“.
Aqui, esclareço que foge ao mérito da causa discutir a atuação do juiz Fausto de Sanctis no caso abordado pela obra do réu. O desfecho do procedimento instaurado no CNJ é por todos conhecido. Por isso, a meu ver, é impertinente toda a abordagem a respeito do assunto feita na inicial.
Importa saber se, de fato, a honra do autor foi ofendida pelo réu na passagem acima exposta.
Sem nenhum esforço, é possível concluir que o adjetivo “bizarra” refere-se à comunicação encaminhada pelo autor à Corregedoria do TRF da 3ª Região, e não à sua atuação, enquanto magistra
do, no julgamento do habeas corpus nº 95.009. E, embora seja uma crítica ácida, à imprensa é dado formular esse tipo de juízo. Não constitui violação a nenhum direito da personalidade a emissão de opinião a respeito de uma peça que tenha sido redigida por um juiz, a não ser que a crítica avance, por exemplo, para o lado pessoal, ou sugira, de alguma forma, que o juiz se afastou do cumprimento de seu dever funcional.
Com efeito, é absolutamente corriqueiro que peças judiciais sejam tachadas de “teratológicas”, “bizarras” ou “sem fundamentação”, e não se tem notícia de algum advogado, promotor ou, até mesmo, desembargador ou ministro que tenha sido responsabilizado de alguma forma por emitir uma opinião nesse sentido.
Também cita o autor uma entrevista concedida pelo réu à revista “Carta Capital”, nos seguintes termos:
“Sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular. A alteração de regramentos se deveu ao empenho pessoal do Ministro, que chegou a convocar um “pacto social” e chamar o presidente da República “às falas”. Ele tornou-se um ator fundamental no processo de desqualificação da Satiagraha”.
Argumenta o autor que essa entrevista escancara o intuito difamatório e caluniador do livro, lançando o autor “à condição de criminoso envolvido em suposto esquema para inocentar o investigado Daniel Dantas”. Essa ilação, no tanto, não pode ser retirada da passagem acima. Em outras palavras, o trecho não me parece, inequivocamente, constituir uma acusação de que o autor seja um “criminoso”. O mencionado “empenho pessoal” – expressão que mereceu destaque na inicial – pode se referir à postura do autor em defender sua posição jurídica em relação ao caso que estava em análise no STF, o que, evidentemente, é um dever de seu ofício.
Pelo que foi dito pelo réu, portanto, não é possível concluir que o autor foi acusado de integrar um esquema para inocentar quem quer que fosse.
- Tendenciosa narração acerca da presença de escutas telefônicas ilegais nos gabinetes da presidência do STF
Às fls. 14 e ss., o autor afirma que o réu procurou denegrir sua honra e imagem em razão da abertura de inquérito policial destinado a apurar a suspeita da existência de “grampos” e escutas telefônicas monitorando autoridades do país, construindo a ideia de que as suspeitas sobre tais fatos teriam sido utilizadas para enfraquecer a “Operação Satiagraha”. Para tanto, é transcrito o seguinte:
“A data do suposto grampo precisa ser considerada. A conversa entre Demóstenes e Mendes ocorreu no dia 15 de julho de 2008 – portanto, uma semana depois da deflagração da Satiagraha, um dia depois de o delegado Protógenes ter deixado o comando da investigação e quatro dias depois de a Folha ter divulgado a informação sobre um “monitoramento” no STF.
Assim, os supostos arapongas deveriam ter notáveis nervos de aço, pois teriam decidido manter, paciente e perigosamente, um grampo ilegal sobre a mais alta corte do país no momento em que o “monitoramento” já era assunto quente e público em todo o país. Considerando a cronologia, é mais pertinente imaginar que o grampo, se é que ocorreu, tenha sido instalado depois do dia da deflagração da Satiagraha, e não antes”.
Também menciona o autor passagem em que o réu afirma que “não é demais imaginar que [o grampo] seria um meio efetivo de criar um atrito entre o STF, a ABIN e a PF. Aliás, foi esse o resultado”.
Por fim, é transcrita entrevista concedida ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, em que o réu declarou:
“Basicamente essa alegação de que houve grampo do Min. Gilmar Mendes foi exaustivamente investigada e foi descartada também, houve três ou quatro investigações paralelas e nunca, jamais, encontraram nenhum grampo no gabinete do Min. Gilmar Mendes, ou no celular dele. Quer dizer, esse factóide ganhou grande impacto na época, mas ele não se confirmou ao longo do tempo”.
Em síntese, segundo o autor, o réu o acusa de, deliberadamente, criar a suspeita de escutas ilegais no STF para enfraquecer a operação tratada em sua obra.
Pelas declarações transcritas na inicial, não me parece tenha existido essa acusação. Nos primeiro e segundo trechos não há absolutamente nada nesse sentido. Relativamente à entrevista concedida pelo réu, de fato foi utilizada a palavra “factóide”, ao se referir à notícia da existência de grampos. Tal vocábulo designa uma declaração falsa ou não comprovada, apresentada como um fato. No entanto, no contexto dos acontecimentos à época, apenas a partir dessa entrevista concedida pelo réu não há como concluir que ao autor foi atribuída a origem dessa suspeita, com o deliberado propósito de enfraquecer a “Operação Satiagraha”.
Conforme exposto na contestação, a partir de fls. 145, a “Folha de S. Paulo” noticiou que uma desembargadora levantou suspeitas acerca de escutas ilegais no gabinete do autor no STF, o que, posteriormente, foi ratificado pela revista “Veja”, baseando-se em relatório interno do mencionado Tribunal. São citados, ainda, outros veículos que noticiaram o ocorrido.
As suspeitas sobre as escutas ilegais, portanto, eram sérias. Evidentemente, não há como supor que o autor tenha criado essa versão e, dos trechos constantes da inicial, não vejo, nem sequer implicitamente, que o réu tenha sugerido algo do tipo.
Como exposto, em nenhum momento pude verificar intenção difamatória nos escritos do autor. O relato limitou-se a narrar fatos, valendo-se, é bom que se ressalte, de poucos advérbios ou adjetivos. De resto, os juízos de valor eventualmente emitidos são absolutamente indissociáveis da atividade de alguém que escreve sobre algo.
Reforça essa conclusão, repito, o fato de o autor ser magistrado da mais alta Corte do país, o que, segundo reiterada jurisprudência, mitiga a proteção dada aos seus direitos da personalidade, em detrimento do interesse público que decorre do exercício de seu cargo.
Nesse sentido, cito, por exemplo, o seguinte precedente:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA. LEI DE IMPRENSA (LEI 5.250/67). ADPF N. 130/DF. EFEITO VINCULANTE. OBSERVÂNCIA. LIBERDADE DE IMPRENSA E DE INFORMAÇÃO (CF, ARTS. 5º, IV, IX E XIV, E 220, CAPUT, §§ 1º E 2º). CRÍTICA JORNALÍSTICA. OFENSAS À IMAGEM E À HONRA DE MAGISTRADO (CF, ART. 5º, V E X). ABUSO DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.
(…)
7. Em se tratando de pessoa ocupante de cargo público, de notória importância social, como o é o de magistrado, fica mais restrito o âmbito de reconhecimento do dano à imagem e sua extensão, mormente quando utilizada a fotografia para ilustrar matéria jornalística pertinente, sem invasão da vida privada do retratado.
8. Com base nessas considerações, conclui-se que a utilização de fotografia do magistrado adequadamente trajado, em seu ambiente de trabalho, dentro da Corte Estadual onde exerce a função judicante, serviu apenas para ilustrar a matéria jornalística, não constituindo, per se, violação ao direito de preservação de sua imagem ou de sua vida íntima e privada. Não há, portanto, causa para indenização por danos patrimoniais ou morais à imagem.
9. Por sua vez, a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi ).
10. Assim, em princípio, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. Nessas hipóteses, principalmente, a liberdade de expressão é prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa a que se refere a reportagem. Nesse sentido, precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal: ADPF130/DF, de relatoria do Ministro CARLOS BRITTO; AgRg no AI 690.841/SP, de relatoria do Ministro CELSO DE MELLO.
(…)
(REsp 801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 12/03/2013).
Ainda que assim não fosse, milita em favor do réu o fato de ter oportunizado ao autor a prévia manifestação acerca da obra que estava sendo produzida. Com efeito, os emails de fls. 173/175 provam essa circunstância.
Evidentemente que esse fato, por si só, não seria suficiente para excluir a responsabilidade caso fosse verificada a ocorrência de algum dano indenizável, mas é inegável que demonstra, no mínimo, a ausência de leviandade por parte do réu.
Por fim, a todo o momento o autor afirmou que a abordagem feita a seu respeito não possuía relação com os desdobramentos da “Operação Satiagraha”, o que evidenciaria um desvio em relação à intenção declarada pelo réu ao escrever o livro. Esse argumento, no entanto, é impertinente ao caso, motivo pelo qual a ele não foram dispensados maiores comentários. Primeiro porque, efetivamente, o autor atuou no caso como magistrado. Segundo porque interessa, ao mérito, saber se a obra é ou não violadora de algum direito da personalidade, sendo despiciendo aferir se as informações sobre o réu deveriam ou não estar nela contidos.
Também por entender ser impertinente à análise do mérito, passei ao largo da discussão a respeito da vida profissional do réu.
Feitos esses esclarecimentos, em síntese, não foi demonstrada a di
vulgação de informação falsa ou o intuito difamatório nos trechos relacionados na inicial, não sendo o caso, portanto, de acolher a pretensão do autor
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados.
Os réus pleitearam que o autor fosse declarado litigante de má-fé. Contudo, a parte procedeu de forma correta no curso do processo. Não verifiquei a distorção de fatos ou qualquer outra prática que visasse tumultuar o feito ou induzir o juízo a erro. Tampouco houve abuso no exercício do direito de ação, considerando que o autor se limitou a buscar uma pretensão da qual se julga titular. Sendo assim, indefiro o pleito.
A causa, apesar de envolver questão jurídica bastante controvertida, não apresentou maiores dificuldades e tramitou sem a necessidade da prática de vários atos processuais, pelo que fixo os honorários em R$5.000,00 (cinco mil reais), pelo autor, que também arcará com as custas.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília – DF, terça-feira, 05/05/2015 às 12h16.
Valter André de Lima Bueno Araújo
Juiz de Direito Substituto
O Ministro (!) tem a mania de perseguir jornalistas.
Que o diga o Mino Carta.
E o Klouri a mania de ganhar !
Veja na aba “Não me calarão” a coleção de vitórias que ele acumula (por enquanto).
Caro Paulo,
O Dr. Valter André de Lima Bueno Araújo da 15a. Vara Cível de Brasília, julgou improcedentes os pedidos indenizatórios formulados por Gilmar Ferreira Mendes contra o jornalista Rubens Valente Soares e Geração Editorial, referente à obra ”Operação Banqueiro”.
A sentença esgota em sua fundamentação a prevalência da liberdade de expressão, consagrando-a,afastando a responsabilidade civil pretendida pelo Ministro do STF, afirmando inexistir na obra divulgação de informação falsa ou intuito difamatório.
Abs,
Cesar Klouri
Abaixo, a decisão judicial:
Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2014.01.1.052798-6
Vara : 215 – DÉCIMA QUINTA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA
Processo : 2014.01.1.052798-6
Classe : Procedimento Ordinário
Assunto : Indenização por Dano Moral
Requerente : GILMAR FERREIRA MENDES
Requerido : RUBENS VALENTE SOARES e outros
Sentença
GILMAR FERREIRA MENDES ajuizou AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS contra RUBENS VALENTE SOARES e GERAÇÃO EDITORIAL LTDA., narrando, em síntese, que o livro “Operação Banqueiro”, de autoria do primeiro réu e publicado pela segunda ré, causou-lhe danos morais diante do manifesto intuito difamatório e atentatório contra sua dignidade. De acordo com a inicial, sob a pecha de investigação jornalística o primeiro réu pretende alardear e propagar distorções, mentiras e despautérios a respeito de pessoas ligadas direta ou indiretamente relacionadas à “Operação Satiagraha”. Prossegue a narrativa afirmando que, dentre as diversas distorções fáticas, quatro exemplos contidos na obra demonstram a má-fé do primeiro réu: a acusação de ausência de imparcialidade do autor em sua atuação como juiz; a distorção da biografia do autor; a deturpação do julgamento do habeas corpus 95.099; e a tendenciosa narração acerca da presença de escutas telefônicas ilegais nos gabinetes da presidência do STF. Após discorrer especificamente sobre os respectivos trechos da obra, ao final, pede o autor a condenação dos réus ao pagamento de uma compensação por danos morais, sugerida em R$200.000,00 (duzentos mil reais), e a determinação de que conste nas futuras edições do livro “Operação Banqueiro” e em revista de grande circulação o teor da sentença a ser proferida, acompanhada da transcrição integral da petição inicial.
Acompanham a inicial os documentos de fls. 37/113.
Citação da segunda ré às fls. 119/119-v e do primeiro réu às fls. 123.
Os réus apresentaram contestação, em peça única, às fls. 125/163, em que, inicialmente, são tecidas considerações sobre a carreira do primeiro réu. Prosseguindo, de acordo com a defesa, o livro “Operação Banqueiro” tem por objetivo a “Operação Satiagraha” e as investigações sobre os negócios do Grupo Opportunity, retratando a trajetória da instituição e das pessoas que o investigaram. Afirmam os réus que a decisão proferida pelo autor no habeas corpus 95.009 foi motivo de inúmeros debates, de estudo pela Associação dos Magistrados Brasileiros e de manifestação de 42 (quarenta e dois) procuradores da república. Prosseguem narrando que, quando da elaboração da obra, o autor foi procurado para apresentar explicações a serem inserias no texto final. Segundo a contestação, o livro é uma narrativa sobre a “Operação Satiagraha” e o primeiro réu quis apresentar ao leitor o Presidente do STF que concedeu 02 (dois) habeas corpus em favor dos principais réus da ação. Sobre a história da família do autor, afirmam os réus que houve apenas um relato sobre pessoas que ocuparam cargos públicos, sem emissão de juízo de valor. Por fim, a respeito do episódio das escutas telefônicas, a contestação afirma que ele é indissociável da operação abordada no livro, mas que não houve nenhuma acusação ao autor. Sustentando que ao jornalista são conferidas prerrogativas constitucionais inerentes à liberdade de expressão e de informação, os réus pedem a improcedência dos pleitos formulados na inicial, requerendo a condenação do autor como litigante de má-fé.
Com a contestação vieram os documentos de fls. 166/193.
Réplica às fls. 196/211.
As partes não requereram a produção de novas provas (fls. 214 e 215)
Vieram os autos conclusos para sentença.
Este, em síntese, o relatório.
Não houve arguição de questões preliminares nem requerimento de outras provas, pelo que passo ao julgamento do mérito, nos termos do art. 330, inciso I, do CPC.
Como exposto acima, trata-se de pleito de compensação por danos morais formulado em razão de afirmações contidas na obra “Operação Banqueiro”, escrita pelo primeiro réu e publicado pela segunda ré.
A questão versa acerca da eventual violação a direitos da personalidade (art. 5º, incisos V e X, CR/88) em decorrência do exercício da liberdade de informação e expressão (art. 5º, incisos IV, IX e XIV, CR/88). Vê-se, portanto, que, a princípio, as pretensões, tanto do autor quantos dos réus, encontram fundamento em normas de igual hierarquia.
Especificamente quanto à liberdade de imprensa, a Constituição da República dispôs, em seu art. 220, que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto no próprio texto constitucional. Isso significa que, apesar de a regra geral ser a garantia da liberdade de imprensa, ela pode, eventualmente, esbarrar em outros valores constitucionalmente tutelados, como, por exemplo, a imagem e a honra de alguém.
Com o tempo, doutrina e jurisprudência estabeleceram parâmetros para solucionar casos de colisão entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. Em artigo intitulado “Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalida
de. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa” (disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm), LUIS ROBERTO BARROSO afirma que o intérprete deve se valer dos seguintes critérios para tomar uma decisão diante do caso concreto: a) a veracidade do fato; b) a licitude do meio empregado na obtenção da informação; c) a personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia; d) o local do fato; e) a natureza do fato; f) a existência de interesse público na divulgação em tese; g) a existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos; h) preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação.
Parece-me que são relevantes, no presente caso, os critérios apontados nos itens “a”, “c”, “f” e “g”.
Não há muito a dizer acerca da veracidade das informações. Por evidente, os réus serão responsabilizados caso alguma das informações veiculadas seja falsa.
No mais, a obra em análise versa sobre a conduta do autor em caso jurídico de grande repercussão à época. Com efeito, é notório que a “Operação Satiagraha” tomou os noticiários, em todas as mídias. Justamente por isso, pode-se afirmar que o autor, nesse contexto, é personalidade pública e, enquanto ministro do STF, exercendo, à época, a Presidência do Tribunal, praticava atos que externavam a atuação de um órgão público.
Pelas mesmas razões, é claro o interesse público na investigação e divulgação dos fatos.
Também a respeito da liberdade de imprensa, o STF já deixou assentado que ela se trata da uma “alternativa à versão oficial dos fatos”, por ocasião do julgamento da ADPF 130, da relatoria do Min. Ayres Britto. Dentre as diversas disposições da ementa do acórdão, destaco a seguinte:
“7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e “real alternativa à versão oficial dos fatos” (Deputado Federal Miro Teixeira)”.
Em síntese, com essa introdução quero dizer que a liberdade de imprensa, em regra, possui precedência em relação aos direitos da personalidade. Na prática, isso significa que os réus serão condenados apenas se ficar demonstrado que procederam de forma abusiva ou leviana, seja relatando fatos não verdadeiros, seja desbordando da função jornalística.
Estabelecida essa premissa, passo a analisar o pleito. A inicial transcreveu determinados trechos da obra escrita pelo réu, delimitando, dessa forma, a causa de pedir, razão pela qual ficarei a eles adstrito, observando a própria divisão de temas estabelecida pelo autor.
- Acusação de ausência de imparcialidade do autor em sua atuação como juiz
Segundo a inicial, no capítulo do livro intitulado “Um Caso Excepcional”, o primeiro réu “faz caviloso uso de informações truncadas para criar, tal como sugere o título, ilações destinadas a colocar em xeque a honra e a dignidade do Requerente”, transcrevendo o seguinte trecho da obra (fls. 04):
“As estreitas ligações de Mendes com Wald e Bermudês não impediram o ministro de julgar os dois HCs em favor do banqueiro [Daniel Dantas]. O ministro não se considerou impedido para julgar o caso. O Código de Processo Civil, entre os artigos 134 e 138 diz que o juiz pode se declarar impedido “por motivo de foro íntimo”, além de outras hipóteses listadas, dentre as quais, “amigo íntimo ou inimigo capital de quaisquer das partes”. O CPC também abre a possibilidade de as partes levantarem a suspeição do juiz, o que não foi feito pela Procuradoria-Geral da República. Alguns advogados e juízes alegam que só os réus são partes de processos, não os advogados. [p. 368]“.
Sustenta o autor que sua relação com os senhores Arnoldo Wald e Sérgio Bermudes se resume a contatos profissionais e acadêmicos, e que nenhum deles efetivamente estava constituído no caso em questão.
As relações entre o autor e os advogados citados são abordadas pelo réu a partir da página 363 da obra. Em nenhum momento, pelo menos nos trechos destacados pelas partes, vi o réu afirmando que seriam amigos íntimos. De acordo com a obra, as relações do autor com Arnoldo Wald seriam profissionais (co-autor
ia de artigo, elaboração da Lei 9.882/99 etc.). No mais, o réu afirma que o autor e Sérgio Bermudes são amigos, com base em reportagem veiculada na revista “Piauí”, em 2010 (fls. 187 e ss. dos autos), em que consta declaração do advogado afirmando que ele o autor “são irmãos”.
Até aqui, portanto, não há como afirmar que o réu faltou com a verdade em sua obra.
Também é possível concluir que não foi omitida a informação de que os mencionados advogados não foram constituídos para atuar nos casos analisados pelo autor. De acordo com o livro, Sérgio Bermudes e Arnoldo Wald eram alguns dos advogados mais contratados pelo grupo Opportunity. Concluiu o réu, então, que a relação do autor com os causídicos deveria gerar seu impedimento para julgar o habeas corpus impetrado por Daniel Dantas.
Tecnicamente, a toda evidência essa circunstância não constitui, a priori, razão para afastamento do juiz de um caso, seja por impedimento ou suspeição. No entanto, não há como exigir do réu o rigor técnico que se exige de um jurista. Não se pode perder de vista que, aos olhos de um leigo, o simples fato de o juiz conhecer o advogado da causa pode levantar suspeitas sobre sua imparcialidade. E nada há de ilícito nisso, a não ser que se trate de alguma suposição leviana, o que não é o caso.
É dado à imprensa e à população questionar a isenção de ânimo de um juiz, sem que isso configure um ataque direto à sua imparcialidade, justamente por se tratar o magistrado de figura que exerce função de Estado e, como tal, sujeita à sindicância de qualquer cidadão. Não custa lembrar, aqui, o notório e geral questionamento acerca da possibilidade ou não de o Min. Dias Toffoli atuar no julgamento da Ação Penal 470, em razão de suas ligações pretéritas com o partido de diversos réu daquele feito. A meu ver, nada mais legítimo e republicano.
A inicial ainda acusa o réu de, deliberadamente, confundir os institutos da suspeição e do impedimento. Pelos mesmos fundamentos expostos acima, não vejo a prática de nenhum ilícito, senão uma impropriedade técnica.
Conforme já decidiu o STJ em caso semelhante:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA CONSISTENTE EM SÉRIE DE PUBLICAÇÕES CONSIDERADAS OFENSIVAS POR ATRIBUÍREM PRÁTICA DE DELITOS AO AUTOR, POLICIAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO, ENTRETANTO, DE EXCLUDENTE, DERIVADA DE PURA DIVULGAÇÃO JORNALÍSTICA. PROVIMENTO.
1.- Publicação de série de escritos jornalísticos, originados de informações contidas em informações do Ministério Público e da Polícia Federal não configura ilícito apto a desencadear indenização por dano moral, ainda que lançada em liguagem incisiva e dura.
2.- Imprecisões técnicas de linguagem, atinente a matéria jurídica, como significado de folha de antecedentes, cancelamento de registro de inquéritos e outras, bem como do sentido de arquivamento e absolvições, não implicam dano moral, quando não visualizado dolo implícito no uso inadequado dos termos.
3.- Atividades típicas de crimes contra a honra – injúria, calúnia e difamação – não configuradas, à ausência de adjetivação e adverbiação nos escritos e, ainda, à não evidência de dolo consistente na intenção de ofender.
4.- Recurso Especial provido, ação julgada improcedente. (REsp 1305897 / MG. Rel. Min. SIDNEI BENETI. Terceira Turma. DJe 18/09/2012).
Nesse particular, portanto, é improcedente a pretensão.
- Distorção da biografia do autor
Sustenta o autor que o réu procura desclassificar sua conduta desde uma suposta associação de seu genitor e da origem de seu patrimônio com a ditadura militar, até sua atuação como membro do Ministério Público.
É transcrito o seguinte trecho:
“Página 347 – Após o esgotamento das riquezas, Diamantino entrou em decadência no século 20. Mas a família de Mendes, no sentido contrário, ganhou prestígio e poder. Depois do Golpe Militar de 1964, o pai do ministro, Francisco Ferreira Mendes, o “Chiquinho”, se elegeu duas vezes prefeito da cidade com o apoio do partido que dava sustentação política à ditadura, a Arena”.
De acordo com a inicial, o réu relacionou o prestígio da família do autor à suposta decadência do município de Diamantino e à ditadura militar, implicando ideias de causa e efeito.
Aqui, penso que a interpretação dada pelo autor é subjetiva demais para ensejar a responsabilização do réu. Não houve emissão de nenhum juízo de valor e não há como concluir, de forma inequívoca, que foram estabelecidas relações de causa e efeito. Ou seja, não há como afirmar que o réu quis dizer que a família do autor ascendeu ao poder justamente porque a cidade entrou em decadência. Extrai-se, no máximo, a simultaneidade desses acontecimentos.
O mesmo se diga em relação à eleição do pai do autor com apoio da Arena. Trata-se de um fato histórico e, ao que parece, não houve distorção de nenhum acontecimento. A pecha negativa do regime militar, por outro lado, não pode ser atribuída ao réu.
Prosseguindo, afirma o autor que o réu pretendeu associá-lo ao ruralismo, afirmando
que essa suposta ligação teria sido responsável por uma discussão ocorrida no STF:
“A ligação de Mendes com o meio rural deu origem a um dos piores bate-bocas da história do STF. No meio da discussão, o ministro Joaquim Barbosa disse que Mendes estava “destruindo a Justiça desse país” e alfinetou: “Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas no Mato Grosso”. Mendes reagiu: “Ministro Joaquim, Vossa Excelência me respeite”. O debate esquentou depois que Mendes afirmou que Barbosa não tinha “condições de dar lição de moral a ninguém”.
Na página 356 do livro escrito pelo réu, lê-se que a “família [do autor] era proprietária de três fazendas que somavam 1.764 hectares em Diamantino e Alto Paraguai (MT), uma delas avaliada em R$1 milhão, além de criar 309 cabeças de gado”. Prossegue o réu afirmando que isso “não impediu que Mendes, na presidência do STF, fizesse pesadas críticas aos movimentos de trabalhadores rurais sem terra e ao governo, de quem cobrou ação enérgica contra invasões de terras”.
Apesar de o autor afirmar que essas passagens o associam ao ruralismo, também não verifiquei a emissão de nenhum juízo depreciativo emitido pelo autor, senão a mera narrativa de fatos.
Relativamente à notória discussão ocorrida entre o autor e o Min. Joaquim Barbosa, é certo que este último valeu-se desses fatos para fazer alusão aos “capangas no Mato Grosso”. No entanto, essa conduta, evidentemente, não pode ser atribuída ao réu, que apenas reproduziu a discussão.
A inicial transcreve, ainda, outra passagem:
“Página 350 – A PGR entendeu que a nova Constituição dizia que ele deveria atuar na primeira instância da Justiça Federal, junto com os outros procuradores “comuns”. Mendes não gostou, atribuiu a medida ao novo procurador-geral, Aristides Junqueira. Anos depois, Mendes deu demonstração de que não perdoou o comportamento de Aristides [...]
É notável perceber que o primeiro dos atritos de Mendes com o Ministério Público, que já remontam duas décadas, nasceu por uma discussão sobre seu cargo. Por diversas vezes ao longo de sua trajetória, Mendes demonstrou uma capacidade extrema de levar a séria suas contendas. Àquela época, já não era diferente”.
Sobre esse trecho aduz o autor que é mentirosa a afirmação de que não gostou das novas atribuições no cargo de procurador da república.
O réu se defende ao argumento de que o descontentamento com o ocorrido na Procuradoria Geral da República é a expressão do que o autor declarou a vários senadores em sessão pública.
A esse respeito, penso que a afirmação “Mendes não gostou” não é suficiente para violar algum direito da personalidade do autor. Com efeito, trata-se de assertiva que, definitivamente, não constitui ofensa à honra ou à intimidade de alguém.
Ainda que assim não fosse, trata-se de afirmação decorrente de declaração prestada pelo autor na sessão em que foi sabatinado em 15/05/2002, conforme exposto na página 350 da obra, em que declarou:
“Devo ter voltado um pouco melhor, mas o dr. Aristides disse: “Você vai para a primeira instância, porque agora a regra é essa: procurador que não é subprocurador fica na primeira instância. Agora, aqui manda a corporação”.
Em relação a esses fatos, portanto, não há como acolher a pretensão inicial.
- Deturpação do julgamento do habeas corpus nº 95.009
O autor afirma que o réu teceu considerações que atacam diretamente sua honra, qualificando sua atuação no caso como “bizarra”, transcrevendo o seguinte trecho:
“Na manhã do dia 11, o Opportunity tinha algo a comemorar. “Vocês já leram o Estadão? O Gilmar está mandando abrir uma sindicância contra o Fausto no CNJ. E O Globo também [diz o mesmo]“, informou Danielle a Arthur Carvalho.
Mendes também enviou comunicação à Corregedoria do TRF da 3ª Região, que abriu um, procedimento. Trata-se de uma peça tão bizarra, que De Sanctis depois mandou plastificá-la, como recordação. O documento informa a abertura de uma investigação contra o juiz. No campo destinado ao “assunto”, que se constitui no motivo da apuração, está dito que são as próprias decisões tomadas pelo magistrado. Uma decisão judicial, sobre a qual há todo um espaço legal no Judiciário para ser debatida, mantida ou derrubada, era agora denunciada como insubordinação e desobediência. Se toda decisão judicial der origem a uma representação, as corregedorias do Judiciário entrarão em pane [pp. 303-304]“.
Aqui, esclareço que foge ao mérito da causa discutir a atuação do juiz Fausto de Sanctis no caso abordado pela obra do réu. O desfecho do procedimento instaurado no CNJ é por todos conhecido. Por isso, a meu ver, é impertinente toda a abordagem a respeito do assunto feita na inicial.
Importa saber se, de fato, a honra do autor foi ofendida pelo réu na passagem acima exposta.
Sem nenhum esforço, é possível concluir que o adjetivo “bizarra” refere-se à comunicação encaminhada pelo autor à Corregedoria do TRF da 3ª Região, e não à sua atuação, enquanto magistra
do, no julgamento do habeas corpus nº 95.009. E, embora seja uma crítica ácida, à imprensa é dado formular esse tipo de juízo. Não constitui violação a nenhum direito da personalidade a emissão de opinião a respeito de uma peça que tenha sido redigida por um juiz, a não ser que a crítica avance, por exemplo, para o lado pessoal, ou sugira, de alguma forma, que o juiz se afastou do cumprimento de seu dever funcional.
Com efeito, é absolutamente corriqueiro que peças judiciais sejam tachadas de “teratológicas”, “bizarras” ou “sem fundamentação”, e não se tem notícia de algum advogado, promotor ou, até mesmo, desembargador ou ministro que tenha sido responsabilizado de alguma forma por emitir uma opinião nesse sentido.
Também cita o autor uma entrevista concedida pelo réu à revista “Carta Capital”, nos seguintes termos:
“Sem Mendes na presidência do Supremo, nem todo o prestígio de Dantas teria sido capaz de reverter o jogo de forma tão espetacular. A alteração de regramentos se deveu ao empenho pessoal do Ministro, que chegou a convocar um “pacto social” e chamar o presidente da República “às falas”. Ele tornou-se um ator fundamental no processo de desqualificação da Satiagraha”.
Argumenta o autor que essa entrevista escancara o intuito difamatório e caluniador do livro, lançando o autor “à condição de criminoso envolvido em suposto esquema para inocentar o investigado Daniel Dantas”. Essa ilação, no tanto, não pode ser retirada da passagem acima. Em outras palavras, o trecho não me parece, inequivocamente, constituir uma acusação de que o autor seja um “criminoso”. O mencionado “empenho pessoal” – expressão que mereceu destaque na inicial – pode se referir à postura do autor em defender sua posição jurídica em relação ao caso que estava em análise no STF, o que, evidentemente, é um dever de seu ofício.
Pelo que foi dito pelo réu, portanto, não é possível concluir que o autor foi acusado de integrar um esquema para inocentar quem quer que fosse.
- Tendenciosa narração acerca da presença de escutas telefônicas ilegais nos gabinetes da presidência do STF
Às fls. 14 e ss., o autor afirma que o réu procurou denegrir sua honra e imagem em razão da abertura de inquérito policial destinado a apurar a suspeita da existência de “grampos” e escutas telefônicas monitorando autoridades do país, construindo a ideia de que as suspeitas sobre tais fatos teriam sido utilizadas para enfraquecer a “Operação Satiagraha”. Para tanto, é transcrito o seguinte:
“A data do suposto grampo precisa ser considerada. A conversa entre Demóstenes e Mendes ocorreu no dia 15 de julho de 2008 – portanto, uma semana depois da deflagração da Satiagraha, um dia depois de o delegado Protógenes ter deixado o comando da investigação e quatro dias depois de a Folha ter divulgado a informação sobre um “monitoramento” no STF.
Assim, os supostos arapongas deveriam ter notáveis nervos de aço, pois teriam decidido manter, paciente e perigosamente, um grampo ilegal sobre a mais alta corte do país no momento em que o “monitoramento” já era assunto quente e público em todo o país. Considerando a cronologia, é mais pertinente imaginar que o grampo, se é que ocorreu, tenha sido instalado depois do dia da deflagração da Satiagraha, e não antes”.
Também menciona o autor passagem em que o réu afirma que “não é demais imaginar que [o grampo] seria um meio efetivo de criar um atrito entre o STF, a ABIN e a PF. Aliás, foi esse o resultado”.
Por fim, é transcrita entrevista concedida ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, em que o réu declarou:
“Basicamente essa alegação de que houve grampo do Min. Gilmar Mendes foi exaustivamente investigada e foi descartada também, houve três ou quatro investigações paralelas e nunca, jamais, encontraram nenhum grampo no gabinete do Min. Gilmar Mendes, ou no celular dele. Quer dizer, esse factóide ganhou grande impacto na época, mas ele não se confirmou ao longo do tempo”.
Em síntese, segundo o autor, o réu o acusa de, deliberadamente, criar a suspeita de escutas ilegais no STF para enfraquecer a operação tratada em sua obra.
Pelas declarações transcritas na inicial, não me parece tenha existido essa acusação. Nos primeiro e segundo trechos não há absolutamente nada nesse sentido. Relativamente à entrevista concedida pelo réu, de fato foi utilizada a palavra “factóide”, ao se referir à notícia da existência de grampos. Tal vocábulo designa uma declaração falsa ou não comprovada, apresentada como um fato. No entanto, no contexto dos acontecimentos à época, apenas a partir dessa entrevista concedida pelo réu não há como concluir que ao autor foi atribuída a origem dessa suspeita, com o deliberado propósito de enfraquecer a “Operação Satiagraha”.
Conforme exposto na contestação, a partir de fls. 145, a “Folha de S. Paulo” noticiou que uma desembargadora levantou suspeitas acerca de escutas ilegais no gabinete do autor no STF, o que, posteriormente, foi ratificado pela revista “Veja”, baseando-se em relatório interno do mencionado Tribunal. São citados, ainda, outros veículos que noticiaram o ocorrido.
As suspeitas sobre as escutas ilegais, portanto, eram sérias. Evidentemente, não há como supor que o autor tenha criado essa versão e, dos trechos constantes da inicial, não vejo, nem sequer implicitamente, que o réu tenha sugerido algo do tipo.
Como exposto, em nenhum momento pude verificar intenção difamatória nos escritos do autor. O relato limitou-se a narrar fatos, valendo-se, é bom que se ressalte, de poucos advérbios ou adjetivos. De resto, os juízos de valor eventualmente emitidos são absolutamente indissociáveis da atividade de alguém que escreve sobre algo.
Reforça essa conclusão, repito, o fato de o autor ser magistrado da mais alta Corte do país, o que, segundo reiterada jurisprudência, mitiga a proteção dada aos seus direitos da personalidade, em detrimento do interesse público que decorre do exercício de seu cargo.
Nesse sentido, cito, por exemplo, o seguinte precedente:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA. LEI DE IMPRENSA (LEI 5.250/67). ADPF N. 130/DF. EFEITO VINCULANTE. OBSERVÂNCIA. LIBERDADE DE IMPRENSA E DE INFORMAÇÃO (CF, ARTS. 5º, IV, IX E XIV, E 220, CAPUT, §§ 1º E 2º). CRÍTICA JORNALÍSTICA. OFENSAS À IMAGEM E À HONRA DE MAGISTRADO (CF, ART. 5º, V E X). ABUSO DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO.
(…)
7. Em se tratando de pessoa ocupante de cargo público, de notória importância social, como o é o de magistrado, fica mais restrito o âmbito de reconhecimento do dano à imagem e sua extensão, mormente quando utilizada a fotografia para ilustrar matéria jornalística pertinente, sem invasão da vida privada do retratado.
8. Com base nessas considerações, conclui-se que a utilização de fotografia do magistrado adequadamente trajado, em seu ambiente de trabalho, dentro da Corte Estadual onde exerce a função judicante, serviu apenas para ilustrar a matéria jornalística, não constituindo, per se, violação ao direito de preservação de sua imagem ou de sua vida íntima e privada. Não há, portanto, causa para indenização por danos patrimoniais ou morais à imagem.
9. Por sua vez, a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi ).
10. Assim, em princípio, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. Nessas hipóteses, principalmente, a liberdade de expressão é prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa a que se refere a reportagem. Nesse sentido, precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal: ADPF130/DF, de relatoria do Ministro CARLOS BRITTO; AgRg no AI 690.841/SP, de relatoria do Ministro CELSO DE MELLO.
(…)
(REsp 801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 12/03/2013).
Ainda que assim não fosse, milita em favor do réu o fato de ter oportunizado ao autor a prévia manifestação acerca da obra que estava sendo produzida. Com efeito, os emails de fls. 173/175 provam essa circunstância.
Evidentemente que esse fato, por si só, não seria suficiente para excluir a responsabilidade caso fosse verificada a ocorrência de algum dano indenizável, mas é inegável que demonstra, no mínimo, a ausência de leviandade por parte do réu.
Por fim, a todo o momento o autor afirmou que a abordagem feita a seu respeito não possuía relação com os desdobramentos da “Operação Satiagraha”, o que evidenciaria um desvio em relação à intenção declarada pelo réu ao escrever o livro. Esse argumento, no entanto, é impertinente ao caso, motivo pelo qual a ele não foram dispensados maiores comentários. Primeiro porque, efetivamente, o autor atuou no caso como magistrado. Segundo porque interessa, ao mérito, saber se a obra é ou não violadora de algum direito da personalidade, sendo despiciendo aferir se as informações sobre o réu deveriam ou não estar nela contidos.
Também por entender ser impertinente à análise do mérito, passei ao largo da discussão a respeito da vida profissional do réu.
Feitos esses esclarecimentos, em síntese, não foi demonstrada a di
vulgação de informação falsa ou o intuito difamatório nos trechos relacionados na inicial, não sendo o caso, portanto, de acolher a pretensão do autor
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados.
Os réus pleitearam que o autor fosse declarado litigante de má-fé. Contudo, a parte procedeu de forma correta no curso do processo. Não verifiquei a distorção de fatos ou qualquer outra prática que visasse tumultuar o feito ou induzir o juízo a erro. Tampouco houve abuso no exercício do direito de ação, considerando que o autor se limitou a buscar uma pretensão da qual se julga titular. Sendo assim, indefiro o pleito.
A causa, apesar de envolver questão jurídica bastante controvertida, não apresentou maiores dificuldades e tramitou sem a necessidade da prática de vários atos processuais, pelo que fixo os honorários em R$5.000,00 (cinco mil reais), pelo autor, que também arcará com as custas.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília – DF, terça-feira, 05/05/2015 às 12h16.
Valter André de Lima Bueno Araújo
Juiz de Direito Substituto
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