terça-feira, 22 de maio de 2012

PALAVRAS DO BISPO PEDRO MARIA DE LACERDA.


DIÁRIOS DAS VISITAS PASTORAIS DE 1880 E 1886 À PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO, DE D. PEDRO MARIA DE LACERDA, ORGANIZAÇÃO E COORDENAÇÃO EDITORIAL DE MARIA CLARA MEDEIROS SANTOS NEVES, DA PHOENIX CULTURA, é um trabalho que merece estar na estante de todas as pessoas que gostam de História em seu estado natural, relatada por quem a viveu, sem intermediários, é como beber diretamente na fonte, água limpa e de qualidade.
O livro com 643 páginas é uma viagem ao tempo que o nosso Estado, com uma população pequena, predominava os brancos de origem portuguesa, negros da escravidão, índios em fase de desaparecimento e branco europeu começando a chegar.
O Bispo aqui esteve por duas vezes. A primeira de 14 de julho a 11 de novembro de 1880. A sua segunda estada vai de 14 de fevereiro de 1886 a 28 de março de 1887. Tempo que as florestas estavam ainda de pé.
Numa linguagem clara e direta, o Bispo é de uma franqueza e de uma objetividade que chama a atenção. Maria Clara Medeiros Santos Neves fala que os originais fazem parte do acervo do Centro de Documentação e Informação da Arquidiocese de Vitória e que ‘’excetuando-se a atualização da ortografia, procurou-se respeitar-se o máximo a redação original.”
Fernando Antônio de Moraes Achiamé, faz a introdução do diário do Bispo e fala sobre sua vida e obra.
O texto completo está no site estacaocapixaba.com.br e o livro pode ser adquirido na loja do Hortifruti da Praia da Costa, em Vila Velha e nas lojas da Livraria Logos.
Mas como uma amostra grátis abaixo uns textos do Bispo quando passou em Itapemirim, Cachoeiro e Castelo. Mas o Bispo andou pelo que é hoje o município da Serra, Aracruz, Linhares, Anchieta e Guarapari.

PALAVRAS DO BISPO
EM ITAPEMIRIM. Depois da Missa já sem paramentos e ao retirar-me disse em voz alta que eu lhes faria o que pudesse, que os que precisassem casar-se viessem a mim mas que não me falassem em dinheiro nem viessem com choradeiras de serem pobres, porque eu não atendia senão a seu bem independentemente de fortuna. E por que sei por experiência que muitos não querem dar um passo nem tomar nenhum trabalho quando querem casar-se, reprovei tal modo e disse que quando querem comprar ou ter uma canoa, ou uma vaca e penso que disse uma porca, esperam, gastam dinheiro, dão passos, etc., e como nada fazem quando se trata de ter uma mulher legítima.
EM ITAPEMIRIM. Soube que alguns Maçons (poucos) desta Vila, alguns aliás sisudos, tinham resolvido abster-se de ser Padrinhos, devido isto em parte ao Monsenhor Amorim e em parte talvez a notícia que têm do que houve na visita da vitória em 1880. Parece-m que um certo sujeito daqui propositadamente se retirou para Vitória para não estar aqui na Vila comigo. Deus o abençoe.
EM ITAPEMIRIM. Indo eu para a Matriz celebrar encontrei um sujeito (penso ser português) que tendo na mão um pequeno livro mo ofereceu dizendo com voz muito melíflua se eu aceitava um exemplar do Novo Testamento. A resposta que eu dei foi uma palmada por baixo da mão dele que atirou a Bibleta para longe. O tal não se zangou, e se contentou em repetir: está bonito, bem está bonito... Eu contei o caso no sermão e preveni o povo sobre a difusão da Bíblia pelos Protestantes. Creio que pouco ou nada fará o Protestantismo por aqui e que inútil é difundir livros por povo que não sabe ler.
EM ITAPEMIRIM. Vieram beijar-me o anel dois pretos velhos que acabavam de receber sua carta de liberdade por terem passado os 65 anos. Estavam muito contentes, e embora dissessem que a liberdade veio tarde encontrando-os já acabados contudo estavam a pular de prazer. Com graça diziam que agora de manhã podiam ficar dormindo ou ir trabalhar, e coisas deste gênero. E tem razão.
EM ITAPEMIRIM. Quando o Imperador aqui veio não foi a esta Fazenda, unicamente por não mostrar mais inclinado ao Barão do que a outro figurão da Política, apesar do Barão ser da Casa Imperial e ter certa intimidade com Sua Majestade Imperial, assim ouvi
EM CACHOEIRO. Depois de jantar apareceu Dr. Horta Araujo e Dr. Eugenio Amorim e me convidaram para ir ver o estabelecimento do Grêmio Bibliotecário Cachoeirense. Fui lá e apareceram outros senhores. Há uma pequena biblioteca e de poucos livros que estão catalogados.  240
EM CACHOEIRO. Afinal o autor para fazer justiça aos Jesuítas reconhece que a Ordem em sua maioria se compôs de ambiciosos, invejosos, hipócritas e maus súditos, obedientes só ao Papa; mas enfim trabalharam muito a bem da catequese e civilização e artes.
EM CASTELO. Aqui nestes campos está a grande Fazenda do Sr. Manoel Fernandes Moura, o homem mais rico desta Província, com o qual eu vim da Corte em fevereiro. A casa é grande, mas na frente não tem os ares de grandeza e nobreza, como as das Fazendas da Prata, do Capitão Souza e do Muqui; atrás sim vi uma varanda envidraçada que representa alguma coisa.
EM CASTELO. Há por este Vale do Castelo nomes curiosos- Prata, Independência, Pirineus, Monte Alverne, Alpes, Criméia, Fim do Mundo, Pensamento, etc.
EM CASTELO. Nesta casa paramos para ida e como já disse pertence ao Moura: e aqui é o seu Administrador o Sr.Braga, homem casado. Gostei de aqui ficar para provar ao Moura que não o visitei em sua grande Fazenda do Centro não por desafeto a ele, mas por lá estar a escrava adúltera com a qual ele vive tendo negado receber a própria mulher que da Corte virá procurá-lo em casa. Pobre Moura.
EM CASTELO. O nome de Pensamento dado a esta Fazenda, disse-me o dono, é porque quando ele veio para aqui, rompendo matos, e em tempo de chuvas, viu-se em tantos embaraços, que estava só a pensar como fazer, e tanto pensou que julgou que nenhum título caberia melhor à sua Fazenda que o de Pensamento.
EM CACHOEIRO. Saíram o Bernardino e o Jerônimo (estudante de Itu) e José pequenino (estudante no Matoso da Corte). Hoje devem embarcar-se no vaporzinho do Simão para amanhã seguirem da Barra com Monsenhor para a Corte.
EM CACHOEIRO. O Capitão Souza há muito não se metia em eleições, mas desta vez lembrou-se que já foi um dos mais influentes e trabalhou a valer com o Dr. Seabra, chefe dos conservadores em favor de um irmão do Major Pinheiro (do Ouvidor). O antagonista é o Dr. Novais médico na Vila e genro do Capitão Souza. Curioso, o sogro contra o genro, e um irmão do sogro a favor do genro.
EM CACHOEIRO. Fomos depois a casa deste Samuel a seu convite onde tomamos café e nos foi oferecido cerveja. Este Samuel é Judeu e não está batizado, e será por isso que duas vezes me apertou a mão e até a levou ao coração, mas não me beijou o anel.

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