DIÁRIOS DAS VISITAS PASTORAIS DE 1880 E
1886 À PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO,
DE D. PEDRO MARIA DE LACERDA, ORGANIZAÇÃO E COORDENAÇÃO EDITORIAL DE MARIA
CLARA MEDEIROS SANTOS NEVES, DA PHOENIX CULTURA, é um trabalho que merece estar
na estante de todas as pessoas que gostam de História em seu estado natural,
relatada por quem a viveu, sem intermediários, é como beber diretamente na
fonte, água limpa e de qualidade.
O
livro com 643 páginas é uma viagem ao tempo que o nosso Estado, com uma
população pequena, predominava os brancos de origem portuguesa, negros da
escravidão, índios em fase de desaparecimento e branco europeu começando a
chegar.
O
Bispo aqui esteve por duas vezes. A primeira de 14 de julho a 11 de novembro de
1880. A sua segunda estada vai de 14 de fevereiro de 1886 a 28 de março de
1887. Tempo que as florestas estavam ainda de pé.
Numa
linguagem clara e direta, o Bispo é de uma franqueza e de uma objetividade que
chama a atenção. Maria Clara Medeiros Santos Neves fala que os originais fazem
parte do acervo do Centro de Documentação e Informação da Arquidiocese de Vitória
e que ‘’excetuando-se a atualização da ortografia, procurou-se respeitar-se o
máximo a redação original.”
Fernando
Antônio de Moraes Achiamé, faz a introdução do diário do Bispo e fala sobre sua
vida e obra.
O
texto completo está no site estacaocapixaba.com.br e o livro pode ser adquirido
na loja do Hortifruti da Praia da Costa, em Vila Velha e nas lojas da Livraria Logos.
Mas
como uma amostra grátis abaixo uns textos do Bispo quando passou em Itapemirim,
Cachoeiro e Castelo. Mas o Bispo andou pelo que é hoje o município da Serra,
Aracruz, Linhares, Anchieta e Guarapari.
PALAVRAS DO BISPO
EM ITAPEMIRIM. Depois da Missa já sem paramentos e ao retirar-me
disse em voz alta que eu lhes faria o que pudesse, que os que precisassem
casar-se viessem a mim mas que não me falassem em dinheiro nem viessem com
choradeiras de serem pobres, porque eu não atendia senão a seu bem
independentemente de fortuna. E por que sei por experiência que muitos não
querem dar um passo nem tomar nenhum trabalho quando querem casar-se, reprovei
tal modo e disse que quando querem comprar ou ter uma canoa, ou uma vaca e
penso que disse uma porca, esperam, gastam dinheiro, dão passos, etc., e como
nada fazem quando se trata de ter uma mulher legítima.
EM
ITAPEMIRIM. Soube que alguns Maçons
(poucos) desta Vila, alguns aliás sisudos, tinham resolvido abster-se de ser
Padrinhos, devido isto em parte ao Monsenhor Amorim e em parte talvez a notícia
que têm do que houve na visita da vitória em 1880. Parece-m que um certo
sujeito daqui propositadamente se retirou para Vitória para não estar aqui na
Vila comigo. Deus o abençoe.
EM
ITAPEMIRIM. Indo eu para a Matriz
celebrar encontrei um sujeito (penso ser português) que tendo na mão um pequeno
livro mo ofereceu dizendo com voz muito melíflua se eu aceitava um exemplar do
Novo Testamento. A resposta que eu dei foi uma palmada por baixo da mão dele
que atirou a Bibleta para longe. O tal não se zangou, e se contentou em
repetir: está bonito, bem está bonito... Eu contei o caso no sermão e preveni o
povo sobre a difusão da Bíblia pelos Protestantes. Creio que pouco ou nada fará
o Protestantismo por aqui e que inútil é difundir livros por povo que não sabe
ler.
EM ITAPEMIRIM. Vieram beijar-me o anel dois pretos velhos que
acabavam de receber sua carta de liberdade por terem passado os 65 anos.
Estavam muito contentes, e embora dissessem que a liberdade veio tarde
encontrando-os já acabados contudo estavam a pular de prazer. Com graça diziam
que agora de manhã podiam ficar dormindo ou ir trabalhar, e coisas deste
gênero. E tem razão.
EM ITAPEMIRIM. Quando o Imperador aqui veio não foi a esta Fazenda,
unicamente por não mostrar mais inclinado ao Barão do que a outro figurão da
Política, apesar do Barão ser da Casa Imperial e ter certa intimidade com Sua
Majestade Imperial, assim ouvi
EM CACHOEIRO. Depois de jantar apareceu Dr. Horta Araujo e Dr.
Eugenio Amorim e me convidaram para ir ver o estabelecimento do Grêmio
Bibliotecário Cachoeirense. Fui lá e apareceram outros senhores. Há uma pequena
biblioteca e de poucos livros que estão catalogados. 240
EM CACHOEIRO. Afinal o autor para fazer justiça aos Jesuítas
reconhece que a Ordem em sua maioria se compôs de ambiciosos, invejosos,
hipócritas e maus súditos, obedientes só ao Papa; mas enfim trabalharam muito a
bem da catequese e civilização e artes.
EM CASTELO. Aqui nestes campos está a grande Fazenda do Sr.
Manoel Fernandes Moura, o homem mais rico desta Província, com o qual eu vim da
Corte em fevereiro. A casa é grande, mas na frente não tem os ares de grandeza
e nobreza, como as das Fazendas da Prata, do Capitão Souza e do Muqui; atrás
sim vi uma varanda envidraçada que representa alguma coisa.
EM CASTELO. Há por este Vale do Castelo nomes curiosos- Prata,
Independência, Pirineus, Monte Alverne, Alpes, Criméia, Fim do Mundo,
Pensamento, etc.
EM CASTELO. Nesta casa paramos para ida e como já disse pertence
ao Moura: e aqui é o seu Administrador o Sr.Braga, homem casado. Gostei de aqui
ficar para provar ao Moura que não o visitei em sua grande Fazenda do Centro
não por desafeto a ele, mas por lá estar a escrava adúltera com a qual ele vive
tendo negado receber a própria mulher que da Corte virá procurá-lo em casa.
Pobre Moura.
EM CASTELO. O nome de Pensamento dado a esta Fazenda, disse-me o
dono, é porque quando ele veio para aqui, rompendo matos, e em tempo de chuvas,
viu-se em tantos embaraços, que estava só a pensar como fazer, e tanto pensou
que julgou que nenhum título caberia melhor à sua Fazenda que o de Pensamento.
EM CACHOEIRO. Saíram o Bernardino e o Jerônimo (estudante de Itu) e
José pequenino (estudante no Matoso da Corte). Hoje devem embarcar-se no
vaporzinho do Simão para amanhã seguirem da Barra com Monsenhor para a Corte.
EM
CACHOEIRO. O Capitão Souza há muito
não se metia em eleições, mas desta vez lembrou-se que já foi um dos mais
influentes e trabalhou a valer com o Dr. Seabra, chefe dos conservadores em
favor de um irmão do Major Pinheiro (do Ouvidor). O antagonista é o Dr. Novais
médico na Vila e genro do Capitão Souza. Curioso, o sogro contra o genro, e um
irmão do sogro a favor do genro.
EM CACHOEIRO. Fomos
depois a casa deste Samuel a seu convite onde tomamos café e nos foi oferecido
cerveja. Este Samuel é Judeu e não está batizado, e será por isso que duas
vezes me apertou a mão e até a levou ao coração, mas não me beijou o anel.
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