segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Rio Doce azedou



Frei Betto
Adital
Há 377 mil nascentes na Bacia do Rio Doce, do tamanho de Portugal. O rio tem 850 km de extensão e dele dependem 3,5 milhões de pessoas. Agora, com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, resta um imenso curso de lama que destrói quase toda forma de vida que encontra pela frente.

Caros Amigos

As 735 barragens de Minas Gerais são verdadeiras bombas-relógio prestes a detonar a qualquer momento.
O maior desastre ambiental da história do Brasil causou 19 mortes. As casas de 254 famílias foram soterradas por 55 milhões de metros cúbicos de lama (o equivalente a 20 mil piscinas olímpicas cheias de lama). Em torno do rio Doce há 300 mil habitantes sem água limpa para beber, 11 toneladas de peixes mortos, 120 nascentes e mangues soterrados.
Já dizia Hugo Werneck, de quem fui vizinho em Belo Horizonte: "A natureza não precisa de nós. Nós é que precisamos da natureza.”
No capitalismo, empresa existe para dar lucros. Mais lucros e menos segurança! Proteção ambiental, investimento em pesquisas e qualidade de vida da população são questões secundárias...
As empresas sofrem pressão dos acionistas para aumentar a produção e vender mais e mais. Foi o que aconteceu com a Samarco. Já era tempo de aplicar tecnologias de extração de minério a seco, sem utilizar água. Ou reutilizar a água da lavagem, como fazem inúmeras empresas não mineradoras.
Em 2014, a Samarco, controlada pela Vale e a BHP Billiton, anglo-australiana, obteve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões.
O governo brasileiro não tem visão estratégica. Tentou, mas fracassou nesse intento. Em 2007, criou a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com status de ministério. Fechou-a em outubro de 2015, sem choro, nem vela, nem fita amarela.
Ainda que a tragédia de Mariana não houvesse ocorrido, a sentença de pena de morte da Bacia do Rio Doce já havia sido decretada pelos municípios que despejam esgoto em suas águas. Outro grave problema é o desmatamento da Mata Atlântica. Hoje, no vale do Rio Doce, a cobertura é de menos de 0,5% de floresta.
Para os governos (municipal, estadual e federal) e a maioria das empresas, preservação ambiental é mera frase de efeito em discursos demagógicos. Falam maravilhas sobre sustentabilidade e compromisso social! Ora, basta conferir quanto, de fato, gasta-se nessa área.
Em Minas, o Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) recebe apenas 0,5% do orçamento público. Depois da Secretaria da Fazenda, quem mais arrecada é a do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Mas todo o dinheiro, recolhido pela Secretaria do Planejamento, vai para outros gastos do Estado, resta no final uma ninharia para a Semad.
A fiscalização nas empresas mineradoras ou é feita com olhos de cego, devido à pressão das empresas e a corrupção dos políticos, ou não é feita por causa da falta de pessoal qualificado, equipamentos, viaturas e pagamento de diárias.
Embora o financiamento empresarial de campanhas políticas esteja proibido, por baixo do pano os políticos esperam "uma ajudazinha” das empresas e, por isso, temem ser rigorosos na imposição das leis e na apuração e punição de responsabilidades.
Isso explica por que o Sisema, em apenas um ano, analisou e regulamentou mais de 6 mil processos de licenciamentos ambientais!
Enquanto economia e política não forem ecologizadas, outras tragédias semelhantes poderão ocorrer. A menos que a lei obrigue os diretores de mineradoras a erguer seus luxuosos condomínios à sombra das barragens...
Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor do romance "Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros. Não divulgar este artigo sem autorização do autor. Informações: MHGPAL – Agência Literária (mhgpal@gmail.com).

Frei Betto

Escritor e assessor de movimentos sociais
Twitter @freibetto

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