quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Alda Robalo contra os muros invisíveis da América Latina


  1 DE AGOSTO DE 2012

Homenagem à escritora e militante política uruguaia que antecipou, enquanto viva, os ventos de mudança que sopram na América do Sul


Por Gilson Caroni Filho, no Correio do Brasil
“As idéias são cárceres de longa duração”, dizia Fernand Braudel. Cárceres que aprisionam geração após geração, e dos quais é muito difícil escapar, não só pela invisibilidade dos seus muros, mas também pela sua imperceptível reprodução.
Quando os anos de ditadura (1973-1985) fizeram com que os uruguaios, de alguma forma, esquecessem ou perdessem, em meio a tanto medo e repressão, aquele orgulho por sua democracia, que era uma parte integrante do próprio “ser nacional”, uma mulher, entre tantos outros resistentes, se dispôs a reconstruir o imaginário de uma sociedade civil dinâmica, marcada , até a chegada dos militares ao poder, pela convivência democrática, a livre exposição de ideias e uma poderosa organização partidária e sindical.
Alba Roballo, senadora da Frente Ampla, foi a primeira mulher latino-americana a ocupar um ministério (Cultura) e dele saiu pouco antes de os primeiros estudantes caírem assassinados nas ruas de Montevidéu por um regime que implantou medidas de exceção e abriu caminho para o golpe de estado.
A ditadura uruguaia respondeu a uma política global do imperialismo norte-americano, que tinha por objetivo reverter todo o quadro político do continente, evitando que a democracia liberal – que em geral tinha estado associada aos sistemas vigentes – derivasse em regimes de conteúdo popular e matiz socialista. Militante e escritora, a senadora sabia o significado mais profundo da Frente Popular: um movimento anti-imperialista e anti-oligárquico, um projeto que não se limitando a uma conjuntura determinada, visava a uma nova opção de poder no país.
Como escritora, a partir de 1973, viveu a anti-criação. Como política, sua condição de cassada lhe criou a angústia de ser morta em plena vida inquieta e combatente. Costumava definir a condição de proscrita de forma cortante: “É terrível, não a desejo para ninguém. Colocar um ser vivo no cal ou torná-lo cinza é um ato de crueldade e de injustiça feroz e principalmente se não fizemos nada para merecê-lo”
Mas a dirigente política jamais se permitiu ser pessimista. Nem na inteligência, nem na vontade. A presença maciça do povo nas ruas, o avanço no acerto de ações comuns entre partidos políticos legais e os colocados na ilegalidade pelos militares, a unanimidade dos dirigentes e das bases na exigência de uma nova democracia que permitisse à cidadania uruguaia ser protagonista da própria história, eram o combustível que alimentava sua crença e sua poesia.
Sua motivação para seguir na luta era o destino dos milhares de presos políticos, entre eles Líber Seregni, presidente da Frente Ampla, preso em Montevidéu desde 1974, Jaime Pérez, Massera, Pietrarroia e muitos outros, num claro sinal de que o principal alvo da ditadura era o movimento que, somente em 2004, após décadas de um regime bipartidário de tendência conservadora, formado pelos partidos Colorado e Nacional, chegou ao poder.
Autora de inúmeros livros, sua obra poética era também um compromisso político. Em “Tempo de Lobos” (1970) relata o terror e o sofrimento impingidos ao povo uruguaio durante o regime militar. Sua poesia enfrenta o discurso com armas desiguais: opõe síntese à mentira, calor à loucura, sonho à violência. Proclama “todo espanto desta triste América / que está gritando aos quatro ventos do delírio”
Alba morreu em 1996. Não viu Tabaré Vázquez e Pepe Mujica chegarem ao poder. Mas sempre soube que a Frente Ampla teria futuro. E nunca duvidou que seria um futuro de êxitos. Não viveu para ver o general Gregório Álvarez, ditador uruguaio de 1981 a 1985, ser condenado a 25 anos de prisão por ter participado de 35 execuções no regime militar. Mas os muros invisíveis contra os quais lutou desmoronam um a um no devir latino-americano.

Gilson Caroni Filho
 é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil.
Leia também:
  1. Soluções para a violência na América Latina
  2. América Latina: rumo a uma corrida armamentista?
  3. Moniz Bandeira e o futuro da América Latina
  4. Mélenchon inspira-se na América do Sul
  5. 5º Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul
  6. Estados Desunidos da América?
  7. Software livre avança na América do Sul
  8. As novas rotas de tráfico na América Central
  9. Moniz Bandeira e a emergência da América do Sul
  10. A batalha de Ollanta Humala contra “La Prensa”

Nenhum comentário:

Postar um comentário