sábado, 4 de agosto de 2012

Sem surpresas, Roberto Gurgel acusa 36 por mensalão



Procurador–geral da República aponta José Dirceu como “chefe da quadrilha”, o publicitário Marcos Valério como “principal operador do esquema criminoso” e os dirigentes petistas, José Genoíno e Delúbio Soares, são acusados de exercerem papel central na obtenção dos recursos para compra de votos de parlamentares. Gurgel sustentação oral de quase cinco horas solicitando a expedição de mandados de prisão cabíveis, após a conclusão do julgamento. A reportagem é de Najla Passos e Vinicius Mansur.

Brasília - Nenhuma manifestação popular. Nenhum pedido para que o ministro Dias Toffoli se declarasse impedido. Nenhum fato novo. O segundo dia do julgamento da ação penal 470 transcorreu dentro do previsto e foi todo ele dedicado à acusação, pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, dos 38 acusados de envolvimento no escândalo do chamado mensalão. Gurgel refirmou que o processo trata de uma “sofisticada organização financeira com o objetivo de garantir a aprovação automática de projetos de interesse do Partido dos Trabalhadores” e que “foi, sem dúvida, o mais atrevido e escandaloso caso de desvio de recursos públicos flagrado no Brasil”.

A denúncia do Ministério Público (MP) inclui os crimes de formação de quadrilha, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de dinheiro e evasão de divisas contra altos quadros do PT, deputados do PP, PR, PTB e PMDB, além de dirigentes do Banco Rural, entre outros. 

O procurador-geral explorou os números grandiosos da ação penal - 5.508 folhas de processo, milhares de documentos, dezenas de perícias, centenas de depoimentos – para se declarar absolutamente à vontade para pedir a condenação de 36 dos citados. Alegando “falta de provas”, Gurgel pediu a absolvição do ex-secretário da Secretaria de Comunicação, Luiz Gushiken, e do ex-assessor do PL na Câmara, Antônio Lamas. 

O principal acusado foi o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, apontado pelo Ministério Público como “chefe da quadrilha”, o publicitário Marcos Valério, apresentado como “principal operador do esquema criminoso”, e os dirigentes petistas, José Genoíno e Delúbio Soares, acusados de exercerem papel central na obtenção dos recursos ilegais que financiariam a compra de votos de parlamentares.

Do chamado núcleo político da organização, ele destacou a participação de Dirceu. “Foi a principal figura de tudo o que apuramos. Foi o mentor do grupo. Foi quem idealizou o esquema de pagamento ilícito no congresso para obter vantagens indevidas dos seus integrantes”, acusou.

Para se contrapor às alegações da defesa de Dirceu de que não existem provas contra o ex-ministro, se fiou em uma série de teorias jurídicas que apontam as dificuldades de se obter provas periciais contra mandantes de crimes ou chefes de organizações criminosas. “Como quase sempre ocorre, os chefes das quadrilhas não aprecem na execução dos crimes”, ressaltou. Para Gurgel, Dirceu foi o líder, o mentor, o autor intelectual, a figura central da organização criminosa. “É autor aquele que tem o domínio final do fato”, afirmou.

E seguiu sem economizar tinta. “Quando eu falei de crimes praticados entre quatro paredes, em muitas vezes falava das paredes da Casa Civil. Por isso é tão difícil conseguir provas de crimes praticados dentro do Palácio da Presidência da República”, insistiu. Ele acrescentou também que Delúbio não tinha autonomia para decidir nada sem o aval de José Dirceu. Segundo ele, nem mesmo o então presidente do PT, José Genoíno, teria. “José Dirceu está, literalmente, em todas”, insistiu.

O advogado José Luiz Mendes de Oliveira, que cuida da defesa de José Dirceu, afirmou que deixou o plenário ainda mais confiante de que irá comprovar a inocência do seu cliente. Ele será o primeiro a fazer uso da palavra, após a retomada do julgamento, na próxima segunda (6). “O procurador-geral não apresentou nenhum fato novo, até porque não há fatos novos. A defesa está preparada para provar a inocência de Dirceu, porque não há nos autos nenhuma prova contra ele”, destacou. 

O procurador-geral descreveu o então presidente do PT, José Genoíno, como peça fundamental para a obtenção dos recursos que financiaram o esquema. Segundo ele, Genoíno avalizou os empréstimos de fachada, colocando seus bens pessoais como garantia. 

Para a acusação, o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, foi o principal responsável pela parte financeira da campanha de 2002, sob comando de Dirceu, então presidente do PT. E, com a vitória do ex-presidente Lula e a consequente ida de Dirceu para a Casa Silva, “continuou exercendo o mesmo papel”. Mas Gurgel ressaltou que ele não se limitou a indicar os beneficiários do esquema. Foi ele também uma das pessoas que receberam recursos ilegais. Mais precisamente R$ 550 mil. “A primeira entrega ocorreu na agência do Banco Rural no Shopping Brasília, muito frequentado pelos integrantes deste esquema criminoso”, ironizou o procurador. O advogado de Soares, Arnaldo Malheiros Filho, negou a acusação e criticou Gurgel por incluir tal acusação em sua sustentação oral, sem que ela estivesse incluída antes nos autos. “Isso é um absurdo e não pode ser considerado pelo tribunal”, disse.

Se, para a acusação, Dirceu foi o mentor do esquema, Marcos Valério foi seu principal operador. Homem da mais absoluta confiança de José Dirceu, passou a atuar como um espécie de interlocutor privilegiado em eventos políticos. Em conjunto com seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollembach, participou de todas as fraudes contábeis realizadas nas empresas SMP&B Comunicação, Grafite Participação Ltda e DNA Propaganda para esconder o rastro do dinheiro ilícito desviado para compra de votos. De acordo com a denúncia, o esquema com Valério teria começado em 2002, após o resultado do primeiro turno das eleições presidências, e já em 2003 a SMP&B já havia recebido R$ 150 milhões oriundos de contratos com o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios.

No final da sessão, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, pediu a prorrogação do prazo de defesa de seu cliente para duas horas, enquanto todos os demais réus terão direito a apenas uma. “Na sua sustentação oral, o procurador-geral citou o nome dele 197 vezes”, justificou. O pedido foi negado de pronto pelo presidente do STF, ministro Ayres Britto.

Carros-fortes
Gurgel destacou também a recorrente utilização de carros-fortes para transportas grandes volumes de dinheiro. “Apesar das grandes somas, os envolvidos preferiram não fazer uso do sistema bancário nacional, reconhecidamente seguro e célere, justamente para não deixar rastro da operação. Se fossem apenas acordos entre partidos, não teriam driblado o sistema financeiro”, argumentou. 

Base aliada
Segundo Gurgel, a compra de votos de parlamentares podem ser comprovadas por repasses ocorridos nos dias que circundavam grandes votações ocorridas no Legislativo entre 2003 e 2004. No caso da reforma tributária, votada no dia 24 de setembro de 2003, em 17 de setembro de 2003, dez dias antes, o ex-assessor do PP, João Cláudio Genú, sacou R$ 300 mil das contas administradas pelo publicitário Marcos Valério. No dia da votação, Genú sacou R$ 300 mil e, 14 dias depois da votação, outros R$ 100 mil. Gurgel ainda afirmou que há repasses volumosos nas proximidades das votações da reforma da previdência, da Lei de Falências, entre outras. 

Pela denúncia, os parlamentares do Partido Progressista (PP) receberam de Jose Dirceu R$ 2.905 milhões para votar as matérias de interesse do PT. São eles Pedro Correia, Pedro Henry e José Jatene (falecido). João Cláudio Genu era o homem de confiança deles que recebia o dinheiro a pedido da direção do partido.

Os parlamentares do PTB teriam abocanhado um total de R$ 4 milhões. Entre eles está o ex-deputado Roberto Jefferson, que denunciou o esquema, ainda em 2005. Segundo a denúncia, o PTB decidiu apoiar o PT mediante uma contribuição financeira de R$ 20 milhões, mas somente a quinta parte foi paga, em dois repasses entregue na sede do partido, em espécie, por Valério.

Dois deputados do PMDB também foram acusados de integrar o esquema. José Borba e Anderson Adauto que, só em 2003, teriam recebido R$ 200 mil do esquema.

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