sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O primeiro impasse da nova política brasileira de lixo


  02/08/2012

Maioria dos estados e municípios parece despreparada para aplicar lei que pode revolucionar coleta e reciclagem no país
Por Laís Bellini | Foto Mundano
Venceu nesta quinta-feira (2/8) um prazo-chave para que o Brasil supere décadas de atraso na forma de tratar o lixo. Até este dia, todos os estados e municípios deveriam formular seus Planos de Gestão de Resíduos Sólidos. Prevista pela Lei 12.305/2010, a providência é ponto de partida para grandes transformações. Dela dependem programas capazes de livrar o país de lixões, estabelecer sistemas eficazes de reciclagem e assegurar melhores condições de trabalho a milhares de catadores. Contudo, há indícios de que a grande maioria das prefeituras e estados não cumpriu a exigência legal. Além de acarretar multas e outras sanções, a falta pode comprometer mudanças pelas quais a sociedade civil lutou durante décadas.
Sancionada há exatos dois anos (2/8/2010), a Lei 12.305 é também chamada de Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Tramitou durante 21 anos, enfrentando protelações e o argumento preguiçoso segundo o qual o país “não está preparado” para coletar, reciclar e armazenar adequadamente o imenso volume de lixo que produz. Tem 67 artigos, mas estabelece, em essência, três grandes feixes de ações, que o ministério do Meio Ambiente quer popularizar com os nomes de Brasil sem Lixão, Recicla Brasil e Pró-catador.
A primeira é essencial. Diz respeito aos terrenos, espalhados pelo território nacional, a que são conduzidas as 61,9 milhões de toneladas de lixo que produzimos todos os anos. Este volume tem crescido bem mais rápido que a população (em virtude da preservação de velhos hábitos de consumo e do melhor poder de compra da maioria). É como se, abarrotássemos de detritos, a cada dia, os porões do Emma Maersk, maior cargueiro do mundo, com comprimento igual ao de quatro campos de futebol.
Pouco mais da metade (56,7%) desta montanha diária de lixo é depositada em locais relativamente aceitáveis, os aterros sanitários. O restante vai para lixões sem preparação alguma (18,1%), ou para aterros controlados (24,3%), uma espécie de meio-termo. A PNRS quer acabar com estas duas modalidades insalubres de depósitos.
O Brasil sem lixão faz do aterro sanitário a única opção aceitável. Trata-se de um local impermeabilizado por uma base de argila e lona plástica. Impede que o vazamento de chorume contamine o subsolo. Contém tubulações para captar o metano liberado pela decomposição orgânica — permitindo utilizá-lo para gerar energia. Além de eliminar lixões, a PNRS também prevê sua recuperação ambiental.
Evitar que o lixo contamine o solo, a água e o ar é apenas a necessidade mais urgente. Uma mudança muito mais profunda (e difícil) é reduzir os os volumes de resíduos que chegam aos depósitos. Para tanto, é necessária a reciclagem. No Brasil, seus números são risíveis. Mesmo numa cidade como São Paulo, cuja região metropolitana é a que produz 10% do total de lixo do país e também a que concentra a maior capacidade de inovação tecnológica e de recursos, apenas 1% do lixo é reciclado: 99% compõem a montanha destinada aos aterros e lixões.
A Lei 12.305 tem dispositivos para mudar este panorama. Ela obriga prefeituras e empresas privadas a criar sistemas de reciclagem em todos os municípios. A responsabilidade é dividida segundo o tipo de detrito. Resíduos domicilares “úmidos” — um conceito que abrange  principalmente o lixo orgânico e que inclui 60% do volume produzido nas residências — devem ser recolhidos e tratados pelos municípios. A proposta é destiná-los, preferencialmente, para a compostagem.
A solução para os resíduos secos (metais, vidros, papéis, plásticos), que compõem 40% do total, é mais complexa. A responsabilidade passa aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes. Todos — do fabricante de um automóvel ao do sabão em pó e da cerveja — devem articular-se, em cada município ou em ações intermunicipais, para viabilizar a reciclagem. Em alguns setores muito específicos houve avanços. Este sistema (conhecido como “logística reversa”) já é aplicado parcialmente na coleta de produtos como pneus, pilhas e baterias. Em breve, comporão a lista eletroeletrônicos e lâmpadas fluorescentes.
Em relação a todos os outros produtos, o ministério do Meio Ambiente lançou, semana passada, um edital fixando normas para reciclagem de suas embalagens. A partir de agora, indústria e comércio terão 120 dias para apresentar, proposta de logística reversa. As empresas poderão fazê-lo individualmente ou em consórcios. O ministério avaliará as propostas. Se forem insuficientes, a lei permite que o governo estabeleça as regras e publique o que passará a valer.
Por fim, há o programa Pró-Catador, do ministério do Meio Ambiente. É a segunda etapa de um programa de apoio a cooperativas que reúnem cerca de 30 mil pessoas cadastradas no país.  Tem recursos destinados para elas para aquisição de equipamentos, treinamento, capacitação e formação. “Já está funcionando com apoio de outros ministérios, com recurso diretamente para cooperativas desde 2007. Esse ano o objetivo é que esse projeto seja reforçado inclusive com a legislação em relação ao cooperativismo e à profissionalização do catador”, informa Carlos Henrique Andrade de Oliveira, consultor da área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis — uma das ONGs mais atuantes no tema.
Se há tantos bons projetos, onde estão as dificuldades? Embora ambiciosa, a PNRS não pode ser realizada centralizadamente, explica Carlos. Se os municípios e os estados não elaborarem os Planos de Gestão, nenhuma das ideias sairá do papel.
Alguns números são preocupantes, porque revelam pouco interesse e ação por parte de municípoos e estados. Embora o ministério do Meio Ambiente tenha oferecido verbas aos entes interessados em realizar seus projetos, havia, até há algumas semanas apenas 50 pedidos de recursos — entre mais de 5 mil municípios brasileiros.
As verbas federais são curtas. Ano passado o governo destinou apenas 42 milhões de reais para a PNRS — dos quais foram usados R$ 36 milhões. Este ano, não houve novo orçamento aprovado, somente liberados os 6 milhões não utilizados em 2011. Em contraste com os programas de Saneamento (abastecidos por bilhões de reais, do BNDES e  da Caixa Econômica Federal), os que poderiam apoiar a revolução do lixo são mínimos. Na prática, o governo federal não acordou para os investimentos necessários.
Mas, continua Carlos Henrique, os estados e municípios não acessaram nem os recursos liberados — por falta de planejamento e de elaboração de projetos. Segundo Carlos  “os planos, em todas as instâncias vão dizer como operacionalizar o que está previsto na PNRS, quais ações e metas. Tem que trazer números, quanto de investimento de reciclagem, de aproveitamento e também os prazos para que essas metas sejam atingidas. Isso tudo serve para orientação do investimento. É importante saber quanto vai custar e em que tempo previsto. É planejamento”.
Emparedada entre a falta de verba federal e a descaso dos estados e municípios com planejamento e projetos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos pode avançar muito pouco, na prática. Talvez seja preciso que a sociedade civil, que pressionou por 21 anos em favor da Lei 12.305, vá à luta também para tirá-la do papel.
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