sábado, 27 de julho de 2013

Uma nova agenda para a esquerda e o Brasil

 23 DE JULHO DE 2013

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Tarso Genro reconhece: ciclo marcado pela Constituinte e governos Lula-Dilma esgotou-se. Para evitar retrocesso, reforma política e ruptura com ditadura financeira
Por Tarso Genro | Imagem: Drago, SelvaSP
Imposto sobre as grandes fortunas, 10% do PIB para a educação, nova regulação para concessões na área de comunicações visando a democratização da circulação da opinião; uma CPMF com fundos vinculados especialmente para a saúde e transporte coletivo, com controle social; um “sistema” de participação popular – virtual, presencial com revalorização dos conselhos e conferências nacionais – para produzir e vigiar o orçamento público, combinado com a representação política permanente e estável. (Novas políticas de Estado.)
Um plano de obras públicas especialmente voltado para ferrovias e VLTs urbanos para os próximos vinte anos; um programa de estímulo e pesquisa para inovação tecnológica especialmente voltado para economia criativa e para redes de médias e pequenas empresas de todas as áreas, para atrair investimentos externos e empregos de qualidade; um programa novo de reforma agrária, tendo com ponto de partida não só o acesso à terra, mas também a promoção da agricultura camponesa para produzir e circular alimentos de qualidade, “limpos” de agrotóxicos; novo ciclo de fortalecimento dos bancos públicos e duplicação das redes de microcrédito, urbano e rural. Compromisso com a Reforma Política. (Novas políticas específicas de governo).
O Partido dos Trabalhadores e os partidos ou setores de partidos da esquerda – ou que se avocam progressistas – defrontam-se hoje com o esgotamento de um ciclo político iniciado com Constituição de 88 e, na área das políticas de inclusão social e educacional, com os governos Lula e Dilma. A reestruturação da sociedade de classes, que ocorreu no país neste período, propõe novos desafios ao neo-desenvolvimentismo, para que os atuais avanços não se percam e para que não voltemos à sociedade dos “três terços”, que caracterizou a política dos governos de ajuste da academia “moderna” com o conservadorismo neoliberal.
Mas o ciclo lulo-desenvolvimentista atingiu o seu limite. Não porque não deu certo. Mas porque se realizou plenamente. E para passarmos para uma nova etapa é necessário mudar a agenda política e econômica do país: à segurança da estabilidade financeira, na relação com as finanças globais (já conquistada), deve suceder a estabilidade das instituições democráticas republicanas (em crise), que só podem ser re-legitimadas pela combinação da representação política, com a participação direta da cidadania em diversas instâncias de poder.
Não se trata de promover o assembleísmo espontâneo, como método de gestão técnica e política do Estado. Trata-se de criar instituições regulares de participação direta – presenciais e virtuais – para dar um sentido novo ao republicanismo originário dos mais de duzentos anos de revoluções democráticas no ocidente. Porque me refiro à substituição da “segurança financeira” pela “segurança política”? Ora, os setores conservadores e as classes privilegiadas do país, ligadas ao “rentismo” ou que tiram proveito – direto ou indireto – das suas especulações e exorbitâncias, já perceberam que este primeiro ciclo de mudanças progressivas no país está esgotado.
Estes setores passaram – a partir desta constatação – a apostar claramente no desgaste político da Presidenta Dilma e sua estratégia está clara na “previsão” de um novo surto inflacionário para, rapidamente, aumentar a taxa de juros, visando “ajudar” os bancos atolados na dívida europeia a promover a transferência parcial dos custos daquela crise. A “socialização” dos custos da crise europeia é a grande política, neste momento, desenvolvida pelos grandes grupos financeiros globais acalentado pela “grande” mídia. Ela, como seu viu durante as mobilizações deste julho, demanda um novo ciclo de “reformas”, cujo exemplo mais significativo é a substituição, na Europa, da política pelas decisões tecnocráticas do Banco Central Europeu.
É óbvio que por dentro deste processo está igualmente o objetivo de “viciar”, ainda mais, a economia financeira do nosso país na ortodoxia das agências de risco e de especulação. E este processo não tem fim: continuará endividando União, Estados e Municípios, até chegarmos à mesma situação dos países europeus, já ajoelhados perante as decisões do Banco Central Europeu. Como é sabido até pelo Conselheiro Acácio é ele quem, de fato, governa a Europa nos dias de hoje, transformando os partidos e as instituições democráticas de Estado em organismos irrelevantes.
É preferível, a partir desta análise, uma taxa de investimentos que proporcione um crescimento persistente de 3,5% ao ano, do que os solavancos atuais, que geram dúvidas em todo o setor privado – grande, pequeno e médio – que nos viciam nos riscos rentistas e nos colocam nas mãos das profecias autorrealizáveis.
É hora de romper com a morfina do sistema financeiro global e mudar a agenda econômico-financeira do país, mudando a sua agenda política. O primeiro movimento é partir para a formulação de um programa que estruture um novo Bloco político-partidário (de partidos, frações de partidos, instituições da sociedade civil, movimentos sociais, organizações sindicais e populares) para iniciar – por exemplo – uma ampla Consulta Popular, com a ajuda dos governos de esquerda do país, sobre a Reforma Política e os 10% do PIB para a educação: à inércia e ao fisiologismo da maioria do Congresso, responder com uma mobilização de “baixo para cima”, dentro da ordem constitucional atual.
Refiro-me especialmente a estes pontos porque eles contém os dois elementos mais importantes para mudar a agenda do país, pois enfrentam diretamente o poder econômico (sobre os partidos: financiamento público ou proibição de financiamento por pessoas jurídicas), e a força do capital financeiro sobre o Estado (reserva de recursos para a educação reduzindo as reservas do pagamento dos juros e serviços da dívida).
A chamada “agenda das ruas”, que está em debate atualmente, não pode ser romantizada. De uma parte, vimos jovens de setores médios e setores populares lutando por melhor transporte, saúde, educação, melhores condições de vida nas regiões metropolitanas e melhores serviços públicos, estes aliás, às vezes submetidos aos interesses imediatos das corporações. Mas não devemos nos esquecer que também estavam lá setores médios conservadores, altas classes médias (“contra a política”), diretamente motivados pela mídia de direita (“o gigante acordou”), pedindo também uma mudança de agenda, mas contra o Bolsa Família, contra os pobres terem automóveis, contra os “aeroportos lotados”, contra a democracia, contra “os impostos”, como se um país pudesse arrecadar menos e depois investir mais.
Independentemente de que a nossa candidata (no meu caso) possa acolher, hoje, integralmente, aqueles ideias para sua reeleição, e assim responder a este novo ciclo no seu segundo governo, é necessário que o novo programa seja apresentado e formatado publicamente, através de consultas, debates, de conversações inter e extraparditárias, de diálogos entre a academia e o movimento social e sindical.
Trazer as novas gerações de militantes sem partido para participar da elaboração do programa para o novo período é uma tarefa crucial da esquerda que ainda não morreu. Se isso não ocorrer, a falsificação de que o “gigante acordou” (agora!), pode vingar, com uma restauração do projeto conservador neoliberal, de privatização do Estado e subordinação ao rentismo. Alguém vai conseguir governar o país com o retrocesso das conquistas dos governos Lula e Dilma? Duvido. A renovação da agenda política e econômica do país é, também, a defesa da República e da Democracia para o futuro.
(*) Governador do Rio Grande do Sul

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