quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Historiadora critica estereótipos sobre o Oriente

Em palestra realizada na Câmara Árabe, professora da USP Arlene Clemesha afirmou que o mundo não pode ser dividido em regiões antagônicas e que o livre pensamento está na raiz do islã.



São Paulo - A crise dos refugiados na Europa, os conflitos no Oriente Médio e as diversas interpretações sobre o islamismo são resultado, entre outros motivos, de uma divisão do mundo entre Ocidente e Oriente, segundo a historiadora Arlene Clemesha, que apresentou a palestra Ocidente e oriente - onde falham os esquematismos e as simplificações na Câmara de Comércio Árabe Brasileira, em São Paulo, na noite desta terça-feira (08).

A diretora do Centro de Estudos Árabes da Universidade de São Paulo (USP) afirmou que dividir o mundo é uma falha. Ela observou que há muitos países islâmicos democráticos, graus de democracia entre os árabes e afirmou que o livre pensamento está na raiz do islamismo.
Sérgio Tomisaki/Câmara Árabe
Arlene e Sallum: ciclo de palestras é organizado pela Câmara Árabe
Clemesha lembrou que filósofos árabes traduziram e interpretaram os principais filósofos gregos, e foi a partir daí que a Europa voltou a ter acesso ao pensamento da Grécia antiga. “As primeiras traduções árabes são de temas científicos. Os árabes até compreenderam que a tradução a partir da interpretação de um texto era mais adequada”, afirmou, em referência aos avanços das sociedades árabes e islâmicas em busca do conhecimento.

Os europeus utilizaram essas conquistas e avanços obtidos pelos árabes, porém, ao final da Idade Média passaram a negar essa contribuição como resultado de uma busca pela identidade europeia. Tradutores europeus passaram, então, a buscar por conta própria as raízes do pensamento grego. Essa negação levou a uma divisão entre mundos e culturas diferentes do Ocidente e do Oriente.

As questões que levaram a essa divisão, observou a historiadora, se refletem hoje. Ela lembrou, por exemplo, da crença de que a chegada de imigrantes muçulmanos nos países europeus poderia colocar em risco a identidade europeia. “Esse mesmo tipo de argumento foi utilizado com os judeus na Europa. A ideia de que havia grande penetração do judaísmo e que ele precisava ser combatido. Os judeus eram 4% da população alemã [até a segunda guerra], o mesmo percentual dos muçulmanos em países europeus hoje”, comparou.

A historiadora observou que alguns países europeus, como Alemanha e Reino Unido, têm se esforçado para receber imigrantes e integrá-los à sociedade. Em outro caso, na França, há resistência. Clemesha observou também que a proibição do uso do véu nas escolas francesas afasta as muçulmanas das escolas, mas não da sua crença. “O que pode acontecer é elas buscarem escolas muçulmanas e não aquelas frequentadas por todos os outros estudantes”, disse.

Clemesha observou que os autores dos atentados ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, em janeiro deste ano em Paris, foram educados nas escolas francesas e cresceram nos guetos da periferia de Paris. São exemplos, observou, de que a segregação e o rebaixamento social são causas do radicalismo. Na França, afirmou a historiadora, os muçulmanos são 8% da população, porém 50% da população carcerária.

A crise dos refugiados sírios, do Norte da África e da África Subsaariana, que arriscam suas vidas em busca de refúgio na Europa, é outro exemplo da divisão do mundo em povos diferentes. Ainda de acordo com dados apresentados por Clemesha, em todo o ano passado, 280 mil imigrantes ilegais tentaram entrar na Europa e dois mil deles morreram. Até agosto deste ano, 350 mil pessoas foram para a Europa, e três mil morreram.

Clemesha afirmou ainda que, apesar da crise de refugiados se mostrar um drama na Europa, não são os países europeus que recebem o maior fluxo de refugiados. Turquia, Paquistão, Líbano, Irã, Etiópia e Jordânia recebem a maior quantidade de refugiados. Os principais emissores são Síria e Afeganistão.

A palestra de Clemesha é parte de um ciclo organizado mensalmente pela Câmara Árabe. As palestras são gratuitas e abertas ao público. No evento, a historiadora foi recebida pelo ex-diretor da Câmara Árabe e organizador do ciclo, Mario Rizkallah, e pelo presidente da instituição, Marcelo Sallum.

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